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“Cidadão, não”: Casal que agrediu fiscal no Rio se nega a pedir desculpas
Últimas Notícias
Publicado em 09/07/2020

O casal de engenheiros Leonardo Santos Neves de Barros, de 43 anos, e Nivea Valle Del Maestro, de 39, diz que não se arrepende da maneira como tratou o superintendente de Educação e Projetos da Vigilância Sanitária, Flávio Graça, no último sábado, durante uma operação de fiscalização na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Eles estavam num restaurante quando foram abordados pela equipe da prefeitura, que atuava para evitar aglomerações em estabelecimentos comerciais, e reagiram com intimidações contra Graça. O vídeo do diálogo entre eles foi divulgado pelo “Fantástico”, da TV Globo. Nesta quinta-feira, ao jornal O Globo, Leonardo e Nívea afirmaram que só se arrependem de terem saído de casa naquele dia e que não têm por que pedir desculpas para o fiscal.

 

— Arrependimento não é uma palavra que eu usaria. Eu diria que o meu tom de voz pode ter sido alterado, mas eu continuo achando que não é uma questão de estar certo ou não. Estávamos usando do nosso direito de questionar o trabalho daquele servidor. Eu posso questionar qualquer servidor público ou quem está nos atendendo. Ele estava trabalhando para gente e temos o direito de questioná-lo — disse Nivea Valle.

 

Desde que foi ao ar, no domingo, o vídeo em que o casal rebate o fiscal vem circulando pelas redes sociais. Quatro dias depois, o casal quebrou o silêncio e deu sua versão. Ao lado de quatro advogados, em um escritório na Barra da Tijuca, Leonardo afirmou que “em nenhum momento quis intimidar ou ameaçar o fiscal” e que contestaria qualquer decisão de um servidor público caso ele achasse que estava errada ou excessiva. O engenheiro também não vê motivo para pedir desculpas ao fiscal. Já que “como pagador de seus impostos, tem direito a questionar”.

 

— Qualquer pessoa tem direito de questionar o serviço público. Ali, não foi afronta ou qualquer tipo de intimidação. Questionei aquilo que achei que não era certo, pois tenho conhecimento no assunto. Talvez, o que houve foi uma descontextualização da situação. E outra, eu como pagador do imposto, eu pago salário de qualquer servidor público. As pessoas ficam com medo de dizer isso. Mas o termo servidor público é de servir ao público. Eu queria uma resposta. Não estou pedindo nada demais — afirmou Leonardo.

Casal dá sua versão

Imagens do Fantástico mostram Nívea e Leonardo discutindo com o fiscal da prefeitura do Rio. Para a química, “aquela situação teve um contexto”. Ela garante que só uma parte do incidente foi ao ar.

 

— No contexto, não acredito que tenha acontecido excesso. Mas, quando eu vejo aquela cena fico com raiva daquela mulher. Não é possível que um ser humano aja, do nada, daquela maneira. Mas não foi do nada. Não foi daquele jeito. Existe um contexto, que vem de situação antes e depois.

 

No dia da confusão, segundo a Vigilância Sanitária, o estabelecimento estava lotado, muitos clientes estavam sem máscaras e alguns deles tentaram impedir a fiscalização da autarquia.

 

Leonardo dá outra versão. Frequentador do restaurante há anos, o casal diz que chegou ao estabelecimento pouco depois das 18h e que o espaço estava vazio. Ao longo da noite, ele encheu. Para o engenheiro civil, não houve desrespeito às normas da prefeitura, que estabelece protocolos de segurança. Leonardo afirmou que o interior do estabelecimento estava vazio.

 

— Há mais de três meses não íamos ao bar que sempre frequentamos. Naquele sábado, quando já podia sair de casa para ir a algum estabelecimento público, decidimos ir lá beber uma cerveja. Chegamos quando havia pouca gente. Bebemos, comemos e ficamos conversando. Com o passar das horas, vi que começou a se formar uma fila. Foi quando também chegou a Vigilância Sanitária e a Guarda Municipal chegaram e falaram que tínhamos que sair. Então, querendo questionar o motivo, fui até o fiscal perguntar por que deveríamos sair – já que todos estavam respeitando as regras. Para me proteger, comecei a filmar a ação. Nesse momento fui em direção do Flávio — conta Leonardo.

 

— Então, falei para quais os critérios. Eu só queria permanecer no bar e aproveitar a noite — salientou.

 

Durante a discussão, Leonardo falou para o fiscal da Vigilância Sanitária que “ele era o seu chefe” e Nivea completou dizendo que “eles pagavam o salário” do agente público.

 

Por que estavam sem máscaras

O casal contou ao GLOBO que no momento em que a Vigilância Sanitária e a Guarda Municipal chegaram ao local, eles comiam e bebiam. Como o estabelecimento foi interditado, eles se esqueceram de colocar a proteção facial.

 

— Quando saímos do restaurante estávamos sem máscara. Não foi maldade ou rebeldia. A gente usa máscara. Sempre tomamos os cuidados. Naquela situação foi automático. Usar máscara para a gente não se tornou hábito, porque sempre trabalhamos de casa na pandemia. Se a gente fosse caixa de supermercado e trabalhasse com aquilo o dia inteiro talvez a gente tivesse hábito. Mas, não. Não temos esse hábito. Saiamos muito pouco à rua. Mas, quando saímos usamos a proteção — disse Nivea.

 

Engenheiros viram ofensa no uso do termo ‘cidadão’

Para o casal, Flávio Graça não deveria ter usado o termo “cidadão”, que para o casal soou como pejorativo e ofensivo.

 

— Durante todo o tempo ele respondia: ‘Cidadão, vá lá na prefeitura para ver o procedimento. Procura a Superintendência’. Aquilo dava a entender que ele não tinha obrigação de responder. Então, esse ‘cidadão’ se tornou algo pejorativo. Senti na hora que aquilo de uma forma agressiva. Tipo: ‘Eu sou a autoridade aqui. Vá procurar os direitos de vocês em outro lugar’. Naquela hora, eu interferi para defender o meu marido e afirmei que ele um engenheiro civil formado. Isso quer dizer que o meu marido, tem sim, direito de questionar porque ele tem formação para tal — pontua Nivea, que segue:

 

— Quando eu falo “melhor do que você”, digo que o meu marido sabe o que fazer naquela situação e o fiscal, não. Em nenhum momento ele apresentou dados para provar o que estava fazendo. Em nenhum momento eu quis humilhar e ofender o agente. Naquele momento eu estava nervosa e alterei o meu tom de voz para defender o meu esposo. O meu marido falava com ele e toda vez ele saia andando. Só fiz aquilo tudo para defender o Leonardo. Volto a dizer: o termo cidadão foi ofensivo

 

De acordo com a engenheira, a fala foi descontextualizada.

 

— As vezes você fala algo em um tom e é mal interpretado. E às vezes o tom de voz passa como agressivo no calor do momento. Em nenhum momento eu quis menosprezar aquele fiscal. Só quis mostrar que ele não estava falando com qualquer um — afirmou a Nivea.

 

A reportagem questionou Leonardo se ele agiria com um policial militar como ele abordou e tratou o servidor da Prefeitura. O engenheiro afirmou que faria do mesmo jeito.

 

— Se o PM me abordar ríspido, vou dizer: “só um pouquinho, por favor”. Eu vou ponderar. Nãoé  porque ele está com uma arma ou algema que poderá tratar os outros com rispidez.

 

Desemprego e ameaças

No dia seguinte a reportagem, Nivea foi demitida da Taesa, local onde trabalhava como especialista de planejamento e controle desde janeiro deste ano. Na quarta-feira, a empresa onde Leonardo prestava serviço resolver desliga-lo. O casal afirma que foi condenado pelas empresas onde trabalhavam sem o amplo direito de defesa.

 

A dupla afirma que estavam jantando quando ficou sabendo por amigos da repercussão da reportagem. Logo em seguida, eles começaram a receber ameaças de todos os tipos. Inclusive de morte. Na terça-feira, segundo os engenheiros, homens foram à casa da mãe de Nivea, uma senhora de quase 70 anos, fazer ameaças. Nos próximos dias o casal vai se mudar do condômino onde mora.

 

— São ameaças de todos os tipos. Fomos condenados sem direito a defesa. Hoje,  a nossa vida acabou. Graças aos amigos não fizemos uma loucura, porque o que estão fazendo com a gente é um linchamento virtual. Tem todos os nossos dados pessoais. Tivemos que excluir nossas redes sociais por conta disso. A nossa vida está acabada — disse Leonardo.

 

O engenheiro, com medo, conta que nos últimos dias teve que sair escondido dentro de um carro para ver o filho pequeno no dia do seu aniversário e que os amigos do menino já falam sobre a situação.

 

— O meu filho não sabe o que está acontecendo. Passa isso na TV toda hora. Fui correndo ver o meu filho no dia do aniversário e só fiquei 10 minutos. Nunca imaginei passar por isso — desabafou Leonardo.

 

Sem registro no Conselho de Química

Nivea Del Maestro afirmou que nunca fez o registro no Conselho Regional de Química porque decidiu não seguir na carreira. Segundo ela, após se formar foi trabalhar na área de gestão e se especializou em gerenciamento de projetos de Tecnologia da Informação (TI).

 

— Nunca exerci a profissão que me formei. Especializei-me em outros cursos e não vi a necessidade em fazer o registro. Nunca me importei em tirar — destacou.

 

Dona de empresa de R$ 94 mil

Nivea Del Maestro e Leonardo Neves também falaram sobre a AC Engenharia e Consultoria Eirelli, criada em abril de 2017. De acordo com Neves, em 2019, quando recebeu uma proposta de emprego ele decidiu repassar a empresa para o nome da esposa. Como ela não é habilitada na área, o casal decidiu dar apenas consultorias.

 

— Sou engenheiro e tenho registro no Crea (Conselho Regional de Engenheiros e Arquitetos). Como ela tem especialização em gerenciamento de projetos, a empresa ficou só para consultorias. (Atualmente) só fazemos consultas de projetos e processos. Nunca a parte técnica — afirmou Leonardo.

 

‘Não tem por que pedir desculpas’, diz engenheiro civil

Questionado se pediria perdão ao fiscal da Vigilância Sanitária, Leonardo Neves diz que não fez nada de errado para “se desculpar” e que respeita o trabalho dos servidores do estado.

 

— Não tem por que pedir desculpas. Só fui questionar algo de que entendo. Não desacatei e não ofendi ninguém. Ao lado tinham dois PMs e dois guardas. Se eu tivesse descarado eu estaria preso. Eu sou de uma área que a gente debate sempre. Então, fui discutir com o agente.

 

Sobre o auxílio emergencial de R$ 600 que recebeu do governo federal, Leonardo voltou a confirmar que pediu o benefício. Recebeu as três parcelas, mas, segundo ele, devolveu.

 

— Eu estava desempregado quando pedi o auxílio. Foi para pagar a pensão do meu filho. Quando eu recebi a primeira parcela, eu consegui um emprego. Como iria receber as outras duas, juntei todo o valor (de R$ 1.800) e já devolvi.

 

 Alexandre Bittencourt

Do Mais Goiás | Em: 09/07/2020 às 18:03:24

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