A dinâmica das cidades e das casas vai mudar com a pandemia do novo coronavírus, e os primeiros sinais começam a surgir nas metrópoles em quarentena. Segundo o IBGE, a tecnologia permitiu que, com o distanciamento social, 8,9 milhões de pessoas no país permanecessem trabalhando em casa. Há um ano, havia 1,2 milhão nessa condição.
O desejo de morar perto do trabalho começa a dar lugar ao sonho de viver numa casa maior, com quintal, que pode até ser em outra cidade, sem precisar dar adeus ao emprego.
Isso já se reflete no mercado imobiliário: a venda de casas em condomínios quadruplicou em alguns empreendimentos, e os preços deste tipo de imóveis subiram 20% desde o início da Covid-19 no Brasil. Lá fora, o movimento é parecido, e há quem tema êxodo dos grandes centros como Nova York.
— Agora tenho um escritório que nada deve ao da empresa, com espaço e privacidade— diz o executivo Rogério Pereira da Silva ao mostrar a casa para onde se mudou com a mulher e o filho, em Alphaville, na Grande São Paulo.
Desigualdade crescente
Essa tendência ganha força e muda conceitos de bairros nobres. Embora especialistas e empresários do setor imobiliário afirmem que não será o esvaziamento completo das cidades, as mudanças atuais afetam os negócios.
— O espaço está sendo mais considerado que a localização. Bairros ou cidades que não eram tão valorizados estão ganhando força — diz Angélica Quintela, gerente de marketing do Imovelweb, site de negócios imobiliários.
Tomas Alvim, coordenador do Laboratório de Cidades Arq.Futuro do Insper, onde leciona, vê riscos. Para ele, em vez de esvaziar as cidades, o ideal seria repensar a mobilidade, os horários de pico, transformando as cidades em ambientes mais amigáveis, com as características que as pessoas buscam no interior.
Ele teme que o êxodo das cidades piore o maior problema nacional: a desigualdade, com apenas a classe média com capacidade para escapar para áreas com mais espaço:
— O risco é criarmos bairros exclusivos, guetos. O que a gente fez no Brasil foi mandar a pobreza para longe da cidade. Agora há uma tentativa de se inverter este jogo, mas não como uma proposta de inclusão, mas novamente como exclusão. Podemos perder a essência da cidade, que é o convívio de pessoas diferentes, com oportunidades.
Na busca de uma casa mais confortável e perto da natureza, as regiões Serrana e dos Lagos do Estado do Rio já disputam em melhores condições com imóveis de bairros da Zona Sul da capital, e as espaçosas coberturas, até então mais difíceis de vender, são as preferidas nos lançamentos.
O corretor Antonio Carlos Lima, da Região Imóveis, em Itaipava, vendeu cinco casas no último mês, todas a partir de R$ 1,5 milhão. A sua média de vendas era de uma por mês, antes da quarentena começar em meados de março:
— Acabei de criar um perfil em rede social e já tenho 11 mil seguidores. Há uma procura enorme.
A advogada Rosângela Delgado começa a fazer obras para tornar a sua então casa de campo mais adaptada para o trabalho. Instalará painéis de energia solar: o aquecimento da piscina é elétrico e a conta de luz subiu dez vezes com a família de quatro pessoas morando no local que só era frequentado nos fins de semana:
— Queremos passar metade do mês em Itaipava e metade no Rio. Vimos que home office é possível. A casa, toda aberta, vai ganhar tratamento acústico para manter o silêncio no trabalho.
Diego Dias, presidente da Ekko, incorporadora de casas na região da Granja Viana, na Grande São Paulo, antecipou para o fim deste ano um empreendimento previsto para o fim de 2021.
— Temos que aproveitar o momento. No primeiro semestre, tivemos recorde de vendas, R$ 170 milhões, contra R$ 75 milhões no primeiro semestre de 2019— diz, acrescentando que o preço de casas e de lotes em condomínios cresceu 20% desde março.
Escritórios e banheiras, as novas tendências
No desenho dos imóveis pós-pandemia, o arquiteto Ronald Goulart vê três tendências: reformas para incluir escritório, para tornar a casa mais agradável (como a instalação de banheiras) e para ampliar a cozinha. Já no mercado corporativo, o movimento é de diminuição do tamanho de escritórios das empresas.
— Estou reformando um conjunto de escritórios que funciona em quatro andares e vai passar para três com o avanço do home office.
Com as pessoas mais tempo em casa, a banheira passou a ser um item de lazer, “além de servir para lavar as compras” na pandemia, brinca Goulart. A cuba da pia também deve aumentar, para caber mais louça:
— As pessoas descobriram o que não funciona nas casas. O quarto de empregada sumiu de vez, virou escritório.
O avanço repentino do trabalho remoto fez a incorporadora Bait mudar um projeto para Copacabana, na Zona Sul do Rio. Vai incluir escritório e melhorar o fluxo de sinal de internet, além de adotar reconhecimento facial na entrada da garagem e central de entregas, para evitar ao máximo o contato com estranhos:
— Pandemias sempre provocaram transformações urbanísticas grandes. Acho que isso vai acontecer dessa vez. Com as pessoas ficando mais em casa, revimos os projetos para fazer uma casa mais compartimentada, mais organizada, que permita certa privacidade para trabalhar, com espaço para home office, ou aumentamos o quarto para caber uma escrivaninha —conta Henrique Blecher, CEO da Bait, que comprou o último terreno livre da Avenida Atlântica, de frente para o mar.
Do Agência O Globo | Em: 28/06/2020 às 13:50:36