Com críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello negou seguimento ao pedido feito por PDT, PSB e PV para apreensão do celular do político. A Procuradoria Geral da República (PGR) já havia se manifestado no mesmo sentido na semana passada. Tanto para o decano do STF quanto para Augusto Aras, procurador-geral, tal pedido só caberia à PGR, não a partidos políticos.
Na decisão, de 28 páginas, o decano do Supremo fez menção à fala de Bolsonaro de que não entregaria seu celular mesmo se houvesse uma ordem judicial. Para Celso de Mello, se ocorresse, a atitude do presidente seria um “gravíssimo comportamento transgressor”.
“Tal insólita ameaça de desrespeito a eventual ordem judicial emanada de autoridade judiciária competente, de todo inadmissível na perspectiva do princípio constitucional da separação de poderes, se efetivamente cumprida, configuraria gravíssimo comportamento transgressor, por parte do Presidente da República, da autoridade e da supremacia da Constituição Federal”.
O ministro diz que, na democracia, “não há espaço para o voluntário e arbitrário desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais”. “Pois a recusa de aceitar o comando emergente dos atos sentenciais, sem justa razão, fere o próprio núcleo conformador e legitimador da separação de poderes.”
Em uma palavra: descumprir ordem judicial implica transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato
de desobediência presidencial e de insubordinação executiva como uma conduta manifestamente inconstitucional
Celso de Mello, ministro do STF
Judiciário contém excessos
O decano diz que, quando o Judiciário intervém para “conter os excessos do poder”, “exerce, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República”.
Para o ministro, a ameaça de Bolsonaro de desrespeitar decisões judiciais não pode acontecer “jamais, sob pena de frontal vulneração ao princípio fundamental que consagra, no plano constitucional, o dogma da separação de poderes”.
Torna-se vital ao processo democrático reconhecer que nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito ao texto da Lei Fundamental, sob pena de inaceitável subversão da autoridade e do alto significado do Estado Democrático de Direito ferido em sua essência pela prática autoritária do poder
Celso de Mello, ministro do STF
Crime de responsabilidade
Celso de Mello diz que o presidente estaria sujeito a crime de responsabilidade em caso de recusa. “É tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer dos Poderes da República (ou por qualquer cidadão) que, tratando-se do Chefe de Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade”.
Reforçando a crítica à posição do presidente, o decano mostra que juízes e tribunais devem agir com “isenção e serenidade, revelando-se membros de um Poder imune a pressões externas”. “E que cumprem, por isso mesmo, com incondicional respeito ao interesse público e com absoluta independência moral, os elevados objetivos inscritos na Carta Política, consistentes em servir, com reverência e integridade, ao que proclamam e determinam a Constituição e as leis da República.”
Não há, na história das sociedades políticas, qualquer registro de um povo que, despojado de juízes e tribunais independentes, tenha,
ainda assim, conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria liberdade
Celso de Mello, ministro do STF
Ministro diz que partidos não podiam ter feito pedido
O pedido dos partidos de oposição tinha como objetivo coletar provas de uma suposta interferência do presidente na PF (Polícia Federal). “Pedido não conhecido, por ausência de legitimidade ativa dos noticiantes”, concluiu o ministro.
Além do presidente, o pedido de apreensão para perícia incluía o filho Carlos Bolsonaro, o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo, o ex-ministro Sergio Moro e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
Heleno falou em ameaça à estabilidade
A solicitação levou o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, a criticar e falar que a medida “seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência de outro Poder na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do país”.
Segundo ele, o pedido era “inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” e afirmou que se fosse aprovada a apreensão poderia ocorrer “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. A nota foi criticada por juristas, ministros do STF e políticos.
Do FolhaPress | Em: 02/06/2020 às 08:16:17