Com drogas já existentes mostrando eficácia baixa contra a Covid-19 e os testes clínicos de vacinas a mais de um ano de distância, uma “ponte” para ajudar a combater a pandemia é a terapia de anticorpos, proteínas de ataque do sistema imune. Michel Nussenzweig, cientista brasileiro da Universidade Rockefeller, de Nova York, anunciou já ter material com potencial de uso e pretende começar a testá-los em humanos até o início de setembro.
Em estudo preliminar divulgado na noite de sexta-feira (15) no portal BiorXiv, o cientista relata como analisou o sangue de 68 pacientes recuperados para encontrar material promissor contra o novo coronavírus. A ideia é usá-lo na forma de anticorpos “monoclonais” (moléculas idênticas produzidas em série) para adiantar o tratamento.
— Esses anticorpos que conseguimos clonar são extremamente potentes e podem vir a ser usados de duas maneiras — explica Nussenzweig. — Uma é como terapia para eliminar o vírus em pessoas muito doentes, outra é o uso em pessoas não infectadas para prevenir infecção.
No estudo, o cientista também outra relata outra característica relevante do material que obteve. Mesmo tendo extraído anticorpos potentes de diferentes pacientes, a estrutura dessas proteínas, adaptada a agarrar proteínas da superfície do novo coronavírus, era sempre muito similar.
Isso, diz o pesquisador, é boa notícia para pesquisa de vacina também, pois é sinal de que um imunizante específico o suficiente para atacar o Sars-CoV-2 não deve ser difícil de desenvolver.
O grupo de Nussenzweig em Nova York conseguiu isolar os primeiros anticorpos para pesquisa em menos de um mês de trabalho porque ganhou expertise usando a mesma técnica pesquisando tratamentos contra o HIV. O laboratório está agora em uma corrida internacional para desenvolvimento de terapias similares, que envolve também as empresas farmacêuticas de biotecnologia VIR e Regeneron. Ambas também pretendem iniciar testes de seus primeiros produtos a partir do meio do ano.
Segundo o cientista brasileiro-americano, a ambição de produzir anticorpos contra Covid-19 em larga escala ainda depende da entrada de grandes empesas farmacêuticas nos projetos já existentes, mas é possível que haja um espaço de demanda relevante essa classe de terapia.
Células assassinas
Outra curiosidade que emergiu do estudo do grupo de Nussenzweig é que, apesar de muitas pessoas produzirem anticorpos potentes contra o coronavírus, eles são produzidos em baixa concentração.
— Nos doentes que analisamos, aqueles que levaram mais tempo para se recuperar foram aqueles que tiveram melhor resposta de anticorpos — diz Nussenzweig. — Quem levou pouco tempo não teve muita resposta de anticorpos, mas de alguma maneira se livrou do vírus, provavelmente com imunidade celular baseada em células como a T CD8+.
Essas células, conhecidas como as “assassinas” do sistema imune, são uma outra frente de defesa do organismo, que agora parece ser bastante relevante, e pode influenciar outros estudos.
Os testes de anticorpos monoclonais a serem iniciados neste ano ainda serão de dimensão limitada, com poucos pacientes, e o custo dessa classe de terapia para outras doenças ainda é alto. Caso a estratégia avance, discutir o acesso de grandes populações a ela é algo que precia ser feito.
Enquanto a terapia não está disponível para Covid-19, de qualquer forma, Nussenzweig afirma que é importante os países que consideram usá-los avaliarem se sua infraestrutura biotecnológica permite a produção em massa dessa classe de material.
— Quando visitei o Brasil, não muito tempo atrás, essa capacidade não existia ainda no país, mas não é algo absurdamente sofisticado. Todos os países europeus têm. A China, a Rússia e a Índia têm — afirma. Nussenzweig tem histórico de colaboração recente com pequisadores brasileiros, tendo atuado no desenvolvimento de anticorpos contra o vírus da zika em 2016, fornecendo material para o Instituto Butantan.
Do Agência O Globo | Em: 18/05/2020 às 10:11:03