A última terça-feira (5) foi um exemplo e tanto da instabilidade de Regina Duarte à frente da Secretaria Especial de Cultura. Há dois meses no comando da pasta, a atriz amanheceu com a notícia de que Dante Mantovani — presidente da Funarte na gestão de seu antecessor Roberto Alvim —, que foi demitido por ela, havia sido reconduzido ao cargo. À sua revelia. Reclusa em São Paulo desde que começou a recomendação de isolamento social por conta da epidemia de coronavírus, Regina demonstrou surpresa a aliados quando soube da publicação no Diário Oficial, assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto.
No fim da tarde, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro reconsiderou a decisão e tornou sem efeito a nomeação — na hora em que Mantovani falava com o GLOBO ao telefone, sem saber da novidade. Uma pequena vitória da atriz em um mar de frustrações. Ela viajou a Brasília e conversará com Bolsonaro hoje para definir seu destino.
No Palácio do Planalto, Regina é vista por alguns como “a fritura da vez”. A própria atriz disse a uma interlocutora que achava que estava sendo dispensada, em áudio obtido ontem pelo site “Crusoé”, e ouve que Edir Macedo já teria indicado seu substituto. Procurado pelo “Jornal Nacional”, o bispo disse que não era verdade. O presidente andaria incomodado com algumas nomeações que ela pretendia fazer de pessoas associadas à esquerda pelos militantes bolsonaristas. Aliados dele disseram ao GLOBO, entretanto, que Bolsonaro não estaria disposto a arcar com o desgaste da demissão da atriz neste momento, após as saídas de dois ministros populares de seu governo (Sergio Moro, da Justiça, e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde).
Com sua pasta dividida entre dois ministérios (Cidadania e Turismo), a atriz vem sofrendo com burocracia e, sobretudo, com a falta de autonomia para trabalhar. Muito cobrada por produtores culturais para lançar ações de amparo à classe por conta da pandemia, ela conseguiu apenas emplacar ajustes de prazos e prestações de contas para projetos contemplados na Lei Rouanet.
Desavisado, ao telefone
Maestro que ficou conhecido por ligar rock a satanismo e aborto, o presidente da Funarte foi um dos nomes mais controversos da gestão de Roberto Alvim na Secretaria Especial da Cultura. Interlocutores do Planalto associam seu “quase” retorno a uma indicação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), e também a uma retomada de poder da ala ideológica, ligada a Olavo de Carvalho. O filho do presidente também teria articulado para que um ex-assessor seu, Luciano da Silva Barbosa Querido, se tornasse diretor executivo da Funarte. Esta nomeação, também feita ontem, seguia valendo até o fechamento desta edição, às 20h30m.
Enquanto a “renomeação” de Mantovani era revogada por meio de uma portaria de Diário Oficial Extra, o maestro, desavisado, conversava ao telefone com a reportagem do GLOBO sobre seus planos. Contou que estava preparando um relatório de seus 90 dias à frente da Funarte para tentar uma audiência com Bolsonaro. Ele também comentou sobre planos de lançar um edital de emergência para socorrer artistas durante a pandemia de Covid-19, e disse estar pronto para retomar o diálogo com a secretária Regina Duarte. Até para esclarecer sua associação entre rock e satanismo.
— Não tive a oportunidade de explicar a ela que aquilo veio de uma aula on-line, baseado em teorias de três livros acadêmicos que pesquisam o uso ideológico de várias vertentes musicais por grupos políticos — disse o maestro. — Sou do diálogo, sempre. Quero falar com ela da mesma forma que fiz quando estive à frente da Funarte, com todos os grupos. Também espero que ela esteja aberta ao diálogo com todos, não só com a esquerda.
Após ser demitido, em março, Mantovani havia feito postagens na internet afirmando que Regina estaria levando o “socialismo” de volta para o comando da Cultura. Em uma publicação, chegou a dizer que “inimigos declarados” do governo estariam sendo colocados em postos da secretaria.
Mantovani não é o único exemplo de vaivém na pasta. No dia 24 de abril, o psicólogo e historiador Aquiles Brayner teve sua nomeação como diretor do Departamento de Livro, Literatura e Bibliotecas anulada três dias após ele ter sido nomeado. Apesar de ter trabalhado no gabinete pessoal do presidente anteriormente, ao ganhar um cargo na Cultura ele foi alvo de uma campanha difamatória, incluindo ataques homofóbicos, movida por perfis bolsonaristas. Para eles, Brayner seria um “esquerdista infiltrado no governo”.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro lamentou a ausência da secretária da Cultura em Brasília e disse que “gostaria que ela estivesse mais próxima” . Afirmou ainda que ela tem tido problemas em lidar com questões que desagradam o governo:
— (A secretaria tem) muita gente de esquerda pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população, não admite. E ela tem dificuldade nesse sentido.
Na mesma entrevista, elogiou Sérgio Camargo, outro reconduzido ao cargo (também contra a vontade de Regina), neste caso a presidência da Fundação Palmares. Ele havia sido afastado pela Justiça, por conta de frases e ideias consideradas racistas, mas a decisão foi revista em fevereiro.
Quando assumiu a secretaria, em março, Regina deu uma entrevista ao “Fantástico” em que disse haver uma “facção” tentando tirá-la do poder. Na ocasião, ela se referiu a Camargo como um “problema”. Ela chegou a pedir sua exoneração, mas Bolsonaro optou por mantê-lo. O episódio iniciou uma série de ataques de Camargo à sua superior direta.
Em uma de suas postagens, ele escreveu: “Bom dia a todos, exceto a quem chama apoiadores de Bolsonaro de facção e o negro que não se submete aos seus amigos da esquerda de ‘problema que vai resolver’”.
Agência O Globo
Agência O Globo
Do Agência O Globo | Em: 06/05/2020 às 08:19:03