A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, na terça-feira (28), uma proposta que autoriza a aplicação de testes rápidos do novo coronavírus (Covid-19) em farmácias e drogarias pelo período de emergência em saúde, por causa da pandemia. Para a presidente do Sindicato dos Laboratórios de Análises e Banco de Sangue do Estado de Goiás (Sindilabs-GO), Christiane Maria do Valle Santos, estes locais não são apropriados e podem colocar tanto o aplicador, quanto o paciente em risco.
“Os laboratórios de análise clínica precisam seguir resoluções para funcionar. Não existe sentido em liberar algo que não irá preservar quem coleta e o paciente. Liberar o teste em local de compra e venda, que é uma farmácia”, afirma. Christiane explica que já havia recebido denúncias, há cerca de duas semanas, sobre farmácias e empresas do setor privado realizando estes testes – mesmo antes da aprovação – e que acionou a Vigilância Sanitária para verificar.
Ela aponta, ainda, que não se sabe qual a sensibilidade destes testes. “Não têm comprovação de especificidade e expõe paciente e funcionário.” Além disso, a presidente do Sindilabs-GO não vê como pode ocorrer a distribuição. “Mesmo para nós é complicado conseguir esse kit. Agora que temos conseguido. Passamos dois meses com muitas dificuldades de insumos, além de dificuldades de EPIs (equipamentos de proteção individual)”, elabora.
Sem serventia
O Mais Goiás também perguntou a Christiane se esse é o teste utilizado nos laboratórios. Ela diz que geralmente não. Eles usam o RT-PCR, que leva mais tempo e tem mais segurança. “O laboratório também pode fazer o teste rápido, mas existem requisitos.”
Ela explica que para a utilização do “rápido” é necessário a solicitação e acompanhamento médico, além da apresentação de sintomas pré existentes. Para ela, o simples fato da pessoa ir fazer um teste para checagem não tem qualquer serventia. “Além disso, é cado um no seu ramo”, reforça a necessidade de respeitar as atuações distintas.
Vale destacar que o custo do teste rápido para o laboratório é de aproximadamente R$ 150, conforme revela Christiane Maria.
Cremego
“Farmácia não é laboratório, não é hospital e não tem estrutura para material contaminado”, afirma Leonardo Mariano Reis, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego). Além disso, ele explica que não existem testes disponíveis nem para os laboratórios. “Os laboratórios estão com procura para a sorologia e não tem. Os fornecedores não. Não adianta liberar para farmácia. Isso é bobagem”, informa.
Para o presidente do Cremego, essa aprovação se trata de um interesse das farmácias para abrir outros atendimentos, que são próprios de laboratórios e clínicas, em um momento de “caos”. “Querem abrir uma janela, para depois escancarar uma porta”, acusa. “Não é lugar de fazer sorologia, análises clínicas. Teste de Covid-19 não é teste de gravidez.” Ele diz, ainda, que este não é o momento de se aproveitar da situação para angariar mais serviços, clientes, ou seja, mais dinheiro.
“O ambiente não está preparado para receber doentes. Expõe outros clientes, torna-se um ambiente insalubre, fora o risco de funcionários ao manipular sangue, material contaminado.” Por fim, Leonardo reforça que a medida não vai adiantar, pois há possibilidade de realização de testes em massa. “Não há disponível.”
Sincofarma
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Goiás (Sincofarma), João Aguiar Neto, também falou ao portal. Questionado sobre o segmento ter feito pressão para a Anvisa liberar novos serviços às farmácias, ele disse não ver dessa forma. “Houve uma disponibilidade, mas nem todos os estabelecimentos estarão aptos a prestar esse trabalho”, justifica. Segundo ele, a questão não foi voltada ao econômico, mas a solidariedade.
De acordo com o presidente da Sincofarma, em um momento de pandemia, como ser humano, há o interesse de prestar algum serviço para a sociedade. “Mas não podemos nivelar por baixo. Será feito por aqueles que tiverem condições logísticas e paramentação adequada.” Além disso, ele afirma que todos os permitidos passarão por treinamento e capacitação. E sugere, ainda, que os testes sejam realizados nas formas drive thru ou em casa.
João pontua que a decisão da Anvisa foi acertada, mas aponta duas situações. Na primeira, ele destaca a questão da capilarização, ou seja, da melhor distribuição de atendimentos e desafogamento de postos de saúde e laboratórios. Por outro lado, ele também se preocupa com o risco de contaminação nos estabelecimentos. “Então, muitos não terão condição de fazer, pois não há espaços isolados. Estaríamos colocando nossa equipe em risco”, declara.
Nota conjunta
Uma nota conjunta da Associação brasileira de Biomedicina (ABBM), Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboral (SBPC/ML) também expôs preocupação com a liberação.
“Com inúmeras evidências de que os testes rápidos apresentam grande variação de qualidade e desempenho, visto que países como Espanha e Itália já devolveram aos fabricantes milhões de kits com baixa eficiência, demonstramos preocupação com a aprovação nesta terça-feira (28), pela Anvisa, da realização de testes para identificação de anticorpos contra o novo coronavírus em farmácias e drogarias.”
Ainda segundo o texto, dentro do contexto da pandemia, todos os resultados de exames relacionados à Covid-19 devem ser notificados às autoridades sanitárias. “Sem a certeza de que essas informações serão compartilhadas, a realização em massa desses testes perde seu valor no auxílio da condução de ações de combate à disseminação do novo coronavírus.”
Testes rápidos
Também chamados de sorocológicos, os testes rápidos são feitos por meio de uma amostra de sangue inserida em uma plataforma. O prazo para o resultado é de até 30 minutos, diferente do RT-PCR, que realiza a análise de material genético do vírus e leva mais tempo para se ter um resultado. A própria Anvisa reconhece limitações neste.
Conforme noticiado pela Folha, o Ministério da Saúde, por meio de protocolo, prevê a utilização deste tipo de exame só após oito dias de sintomas. A pasta trata este como ferramenta complementar e não definitiva.
Ainda em reportagem a Folha, Antonio Barra, diretor-presidente substituto da Anvisa, disse que os resultados negativos destes exames não excluem a infeção. Além disso, ele afirmou que os positivos não devem ser usados como evidência absoluta. Neste ponto, a defesa dele é pela ampliação do acesso à testagem no País e, com isso, reduzir a busca da saúde pública.
Anvisa
Na publicação da Anvisa, do dia 28, foi informado que “os testes rápidos deverão ser devidamente registrados no Brasil e poderão ser feitos somente em farmácias e drogarias regularizadas pela Agência”. Além disso, estas deverão seguir diretrizes como “seguir as Boas Práticas Farmacêuticas, nos termos da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 44, de 17 de agosto de 2009; ser realizada por farmacêutico treinado; delimitar fluxo de pessoal e áreas de atendimento, espera e pagamento diferentes para os usuários que buscam os serviços de teste rápido em relação aos que buscam os outros serviços na farmácia; etc.”.
No site da agência, há, ainda, duas notas técnicas com orientação para a realização dos testes rápidos. Confira AQUI, no fim da página.
O Laboratório Estadual de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros (Lacen-GO) foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou até o fechamento da matéria. Jurisdicionado à Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), a mesma irá elaborar um protocolo com base nas notas técnicas da Anvisa.
Francisco Costa
Do Mais Goiás | Em: 29/04/2020 às 16:25:31