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No último dia, Bonner revela por que nunca fez comentários no Jornal Nacional
Por Silvio Cassiano - SiCa
Publicado em 01/11/2025 09:31
Últimas Notícias

(O Globo) Olhando o celular em seu último dia no Jornal Nacional, William Bonner faz um comentário em tom de brincadeira, mas que explica muito o quão importante é este momento para ele, para o programa e para o jornalismo da TV Globo: “As pessoas estão me escrevendo como se eu tivesse morrido”.

 

 

Bonner obviamente não morreu e passa muito bem. Mas, como foi anunciado no início de setembro, sua participação no Jornal Nacional chega ao fim nesta sexta-feira, dia 31 de outubro, depois de 29 anos como apresentador e 26 anos acumulando também a função de editor-chefe. A partir de segunda-feira, 3 de novembro, César Tralli assume a bancada do JN ao lado de Renata Vasconcellos. Para o derradeiro programa de Bonner, o roteiro prevê que os três apareçam juntos no último bloco, a fim de sacramentar a mudança. Já a edição do JN passará às mãos de Cristiana Sousa Cruz, que atuava como editora-adjunta do telejornal. Bonner, por sua vez, fará parceria, em 2026, com Sandra Annenberg na apresentação do Globo Repórter.

 

A novidade é imensa, considerando o tamanho do Jornal Nacional e a longevidade de Bonner no programa. Lançado em 1969, o JN alcança, em média, 30 milhões de pessoas por dia, o que representa cerca de 14% da população brasileira. É um dos maiores telejornais do mundo em termos de audiência, e certamente o mais influente do país. Bonner foi seu apresentador que mais tempo permaneceu na função, à frente até mesmo do lendário Cid Moreira, que foi a cara do JN por 26 anos.

 

Tralli diz estar ciente da responsabilidade que tem pela frente. Ele se despediu nesta quinta-feira, 30 de outubro, do Jornal Hoje, programa vespertino da Globo que apresentava desde 2021 — em seu lugar, fica Roberto Kovalick, que já assumiu a apresentação do Hoje nesta sexta.

 

Em entrevista ao Globo, horas antes do último Jornal Nacional de Bonner, os apresentadores se juntaram para refletir sobre o jornalismo, sobre o papel de um programa como o JN em tempos de fragmentação de notícias (verdadeiras e falsas) nas redes sociais e sobre os desafios impostos por novas tecnologias, como a inteligência artificial.

 

Tem uma discussão antiga em telejornais sobre a diferenciação entre um apresentador neutro e um âncora que emite opiniões. Essa diferença ficou muito marcada quando Boris Casoy fazia comentários sobre as notícias no SBT, nos anos 1990. Mas hoje a gente encontra gente comentando notícias em cada esquina das redes sociais; tem muito jornalista emitindo opinião em todos os cantos. Vocês acham que o Jornal Nacional precisa mudar ou deve manter esse princípio da neutralidade?

 

CÉSAR TRALLI: Vamos continuar com esse perfil. O Jornal Hoje, que eu fazia até ontem, era diferente. Era um jornal muito maior, com um único apresentador, na hora do almoço, que abria espaço para você trazer assuntos, digamos assim, do cotidiano com muito mais facilidade, com uma linguagem mais coloquial, mais falada. Antes, eu fiz o SP1, que é o telejornal da Grande São Paulo. Eu fazia alguns comentários muito pela conexão com o público. Tinha um perfil de jornal local, e a gente conseguia dar uma amarrada nos assuntos, se colocava ao lado da população local. Eu levei um pouco disso para o Jornal Hoje. Mas eu entendo que o Jornal Nacional é completamente diferente. Para mim, a gente vai seguir firme nesse legado de JN do William, que é um jornal que representa a empresa, é a voz da empresa.

 

 

WILLIAM BONNER: O Jornal Nacional é uma instituição tão forte que, no exercício de quase 26 anos de chefia, eu nunca vi os acionistas da empresa agirem como donos do Jornal Nacional. O JN, pela força que tem, por aquilo que representa, é algo tão forte que eu tenho a impressão de que os próprios acionistas da Globo entendem que ele seja um patrimônio dos brasileiros, do público brasileiro. Então, nesse sentido, você não faz o que quiser com o Jornal Nacional. Ele é muito grande para isso. Você não personifica a apresentação. O comentário é uma armadilha num jornal desse porte. Como escolher quais assuntos você vai comentar e quais não vai? Imagina se a gente fizesse no Jornal Nacional comentários sobre a operação policial desta semana. O Jornal Nacional é um jornal legalista, como eu acho que o jornalismo tem que ser: humanista e legalista. Se a gente for fazer comentários no Jornal Nacional, estaremos impondo a milhões de brasileiros uma certa opinião, e nós achamos que esse não é o nosso papel. Ao contrário, o nosso papel é municiar o espectador de opiniões de pessoas que estudam o caso, que têm visões sobre aquilo — e aí ele forma sua própria opinião. E isso não é uma teoria minha; eu herdei isso no JN. É a missão histórica do jornal.

 

Mas não houve exceções, como na pandemia da Covid-19?

 

BONNER: Sim, sim. Mas aí, nessas ocasiões, o Jornal Nacional publicou editoriais. E esses editoriais manifestavam a posição do Grupo Globo a respeito dos assuntos ali abordados — seja na condenação veemente do negacionismo à pandemia, seja na condenação à demonização de vacinas, seja na condenação à divulgação de informações que podiam ser profundamente nocivas para a sociedade brasileira. E, por fim, preciso citar também a condenação de tentativas de se romper a normalidade de uma democracia constitucional como a nossa. Eu me lembro de uma frase de um desses editoriais que afirmava o seguinte: “Quando o que está em jogo é o acesso ao direito da população à saúde e à democracia, não existem dois lados”.

 

 

Durante décadas, o jornalismo teve o papel de pautar o debate público, e o Jornal Nacional, mais do que qualquer outro programa, foi muito importante para isso. Mas, hoje em dia, com a força das redes sociais, qualquer um pode pautar o debate público, vide o que aconteceu com a denúncia que o influenciador Felca fez sobre a adultização de crianças na internet. O quanto esses movimentos de redes sociais pautam o Jornal Nacional hoje?

 

BONNER: No JN, a gente não tem como se pautar por rede social. Estamos atentos às redes sociais e aos temas que produzem debate, mas, se você pegar o cardápio do Jornal Nacional, vai ver que a nossa preocupação não é essa — definitivamente, não é. Há espaço no jornalismo da Globo para esses temas ganharem reportagens jornalísticas bem feitas, contextualizadas. O Fantástico faz isso, por exemplo. Mas, no JN, o nosso cardápio é muito dos fatos do dia, no Brasil e no mundo. E o caso do Felca, que você citou — ele de fato é influenciador —, mas foi um trabalho jornalisticamente impecável.

 

TRALLI: A gente observa o que está acontecendo, mas não traz para dentro dos jornais. Nas discussões de pauta, a gente fala sobre isso, mas não tem relevância para se tornar algo maior. O que a gente faz muito hoje é trazer o G1 para dentro do noticiário, até pelo Fato ou Fake. Nosso problema maior hoje são as fake news, a gente tem que ficar o tempo todo enfrentando as fake news.

 

Outra mudança dos tempos atuais é a maneira como as pessoas se informam. No passado, um programa como o Jornal Nacional podia ser a única fonte de informações de um brasileiro no dia. Mas hoje as pessoas recebem informação o tempo todo pelo celular. Isso mudou a forma de fazer o JN?

 

BONNER: A missão dos criadores do Jornal Nacional era mostrar tudo o que de mais importante havia acontecido naquele dia, no Brasil e no mundo. E isso, no tempo disponível do programa, impôs ao Jornal Nacional e ao telejornalismo como um todo um certo formato de reportagem muito rápido. Por isso, durante muitos anos, a gente era acusado de fazer um jornalismo muito superficial. Mas não era isso. A questão é que a gente fazia um mosaico de tudo o que era mais importante. Por quê? Porque era nossa responsabilidade social. Para muitos brasileiros, o Jornal Nacional não era só a principal fonte de informação. Era a única. Mas é óbvio que as telas de celular mudaram drasticamente essa situação. Seria um contrassenso o JN manter essa mesma política. Hoje, num dia normal de trabalho, se você não for marciano, terá sido confrontado com os principais assuntos do dia. Vai chegar para você; você vai ser informado, nem que seja pela tia do Zap. Então, hoje a gente pega tudo o que de mais importante aconteceu, faz uma curadoria e entende o que precisa de mais foco, quais assuntos tendem a perdurar ou que têm uma enorme gravidade de implicações atuais e urgentes. Por isso, enquanto uma reportagem típica de JN tinha um minuto e meio quando eu assumi, hoje ela tem dois minutos e meio. E não raramente há matérias de três, três minutos e meio. Em vez de querer abraçar o mundo, a gente quer mostrar o mais importante do dia, com um aprofundamento maior.

 

TRALLI: Nosso trabalho é cada vez mais importante para explicar os assuntos, fazer gráficos, ouvir especialistas. Precisa ter mais profundidade, especialmente pelo que a gente vê nas redes sociais. A gente vive na era da economia da atenção; precisamos aprofundar os assuntos exatamente para sair dessa coisa superficial e fazer as pessoas compreenderem os temas. Isso é essencial.

 

BONNER: E também é importante sermos transparentes nos nossos processos. Se queremos mostrar a verdade, precisamos mostrar como chegamos a essa verdade. A gente dá o caminho das pedras para que o espectador se certifique da correção do nosso trabalho.

 

TRALLI: Até por conta da IA. A inteligência artificial está conseguindo um grau de manipulação de tudo que nos obriga a explicar, por exemplo, quando a gente cobre o rosto e distorce a voz de um entrevistado que quer proteger. Antigamente, você fazia as reportagens e não precisava dar esse tipo de explicação. A gente tinha um critério, mas não dividia ele com as pessoas. Hoje tem que explicar cada decisão.

 

E essa força das redes sociais e pluralidade de vozes mudou a relação do Jornal Nacional com o poder e os políticos? Eles veem a força do programa de maneira diferente?

 

BONNER: Eu acho que não. Quando você procura uma autoridade e diz que é para o Jornal Nacional… Quando seu sobrenome é Jornal Nacional, as coisas acontecem. Agora o Tralli vai ser o César Tralli do Jornal Nacional. Antigamente, quando eu procurava alguém, eu dizia “William Bonner, Jornal Nacional”. Quando era mais urgente, eu falava “William Bonner, Jornal Nacional, TV Globo, Rio”. Isso não mudou. Mesmo dentro da TV Globo, o alcance do JN, em comparação aos outros telejornais, é muito maior. Ele não é mais da Globo, é um patrimônio nacional.

 

Lembro quando o Bolsonaro passou a divulgar os dados de Covid depois do Jornal Nacional.

 

BONNER: Exatamente. E a gente deu um plantão no mesmo dia, logo depois.

 

Você falou de inteligência artificial, Tralli, e hoje já há testes de apresentadores reais sendo substituídos por um avatar que usa o mesmo rosto e a mesma voz de um jornalista. Vocês acham isso possível?

 

TRALLI: Eu não me vejo, e não acredito que a empresa fará isso.

 

BONNER: Existe, da minha parte, uma busca meio obsessiva de fazer com que nós, na apresentação, tenhamos textos muito naturais e fáceis de ler. Porque, quanto mais fácil o texto for de ler, mais você soará natural. E, quanto mais natural você soar, maior a chance de estabelecer empatia com quem está do outro lado. Então, se buscamos naturalidade, precisamos falar com naturalidade. O apresentador de um jornal não faz um discurso — ele conta coisas para o espectador. O sucesso dele é atingir um público grande com empatia. Talvez possa até funcionar com voz, mas com vídeo, não. Digamos que exista um texto de plantão para ser lido à tarde, e o Tralli não esteja disponível. E o sistema sintetiza a voz do César Tralli para ler aquela notícia. Aí eu acho que está tudo certo, e depois à noite ele vai fazer o jornal de carne e osso. Vídeo, eu acho que não. Não vejo propósito nisso.

 

TRALLI: A televisão depende da força da imagem. Você não precisa fazer uma página para mostrar o sofrimento de uma mãe. É o semblante dela, é a boca trêmula que passa a mensagem. É isso que passa confiança. Não dá para dizer que neste fim de semana será um avatar que vai apresentar o jornal. Pode até ser que o mundo caminhe para isso, mas espero que a gente não esteja mais aqui. E está ficando cada vez mais difícil fazer a verificação do que é real. É um tremendo desafio nosso, porque essas tecnologias estão ficando muito sofisticadas.

 

Bonner, nesse seu tempo de Jornal Nacional, sempre chamou muita atenção quando os apresentadores saíam do estúdio e apresentavam o programa nos locais das notícias, como fizeram recentemente no conclave e nas enchentes do Rio Grande do Sul. Como vocês tomam essa decisão?

 

BONNER: O que determina a nossa saída é a relevância e os critérios para estabelecer o que a gente vai publicar. Quando a gente nota que algum acontecimento tem uma gravidade de implicações muito grande ou um caráter histórico óbvio, a gente discute se não é o caso de levar a apresentação para lá. Gravidade: as enchentes de Porto Alegre em 2024. Caráter histórico: o conclave. Fazemos isso para mostrar que estamos atentos aos fatos históricos e também para mostrar nossa solidariedade. Quando a gente sai do estúdio e vai ancorar o jornal em outro lugar, a gente atrai atenções extras para aquele lugar. E essas atenções extras têm utilidade — e a gente quer que o nosso trabalho seja útil para a sociedade. A visibilidade que a Globo deu às enchentes, por exemplo, fez com que houvesse uma mobilização nacional.

 

Tralli, você acha que todo jovem jornalista que vai à faculdade tem o sonho de ser o William Bonner?

 

TRALLI: Eu penso que sim. São 30 anos de Jornal Nacional, 40 anos de TV Globo. É uma história muito grande.

 

BONNER: Eu discordo frontalmente. Talvez há 10 anos, sim. Hoje eu não acho mais que sou o herói das pessoas que vão estudar jornalismo. Eu acho que essas pessoas não têm mais em mente querer trabalhar em televisão. Acho que a meta delas é serem broadcasters delas mesmas, ter seu canal no YouTube, ganhar uma grana, fazer publi, serem famosas.

 

TRALLI: Eu discordo um pouco dele. Tenho ido muito a faculdades dar palestras e tenho ficado impressionado com como as gerações mais novas buscam trabalhar com o jornalismo raiz. Vejo jovens querendo ir para redações, gente que tem vontade mesmo de sentar com jornalistas mais experientes, de aprender a fazer, ver como é feito um trabalho sério, sabe? Eu fico impressionado, sinto um brilho nos olhos deles por esse jornalismo.

 

BONNER: Tem uma mística, mas não vejo isso personalizado comigo. É a bancada do Jornal Nacional que é muito forte.

 

Bonner, que sugestão você dá para o Tralli a partir de segunda-feira?

 

BONNER: É muito simples: entregue-se. Porque o JN e a nossa profissão são muito absorventes. E o Tralli é um exemplo de alguém cuja entrega já rendeu frutos inequívocos. O Jornal Nacional só vai tornar mais evidente o quanto a gente entrega, porque tem um alcance maior. Mas o Tralli não tem nada a aprender comigo. A gente tem que aprender com o que está à nossa volta o tempo todo. É uma atividade muito bacana. Você é o ponto final da fábrica. Você entrega para o público uma reportagem que foi o trabalho de 25, 40, às vezes 80 pessoas.

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