
Mais de 400 motociclistas que participavam de um passeio comemorativo do moto grupo “Os Brabos Tem Nome” foram multados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no domingo (19), na BR-060, próximo a Abadiânia. Em entrevista aoMais Goiás, o policial rodoviário federal Thiago Ferreira explicou por que o evento, que resultou em mais de R$ 1 milhão em multas e na suspensão das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH) dos condutores, foi interpretado como atividade ‘fora da lei’. Entre outras coisas, ele explica que “faltou comunicação prévia”.
A penalidade aplicada aos motociclistas está prevista no artigo 174 do Código de Trânsito Brasileiro, que proíbe a promoção, na via, de competição, evento organizado, exibição ou demonstração de manobras de veículos sem a permissão da autoridade de trânsito local. Nesse contexto, Ferreira explica que o “evento” citado na legislação tem sentido amplo, “podendo ser desde uma simples travessia de animais à formação de filas de veículos e pessoas, como foi o caso”.
Ele lembra que o artigo 95 da Lei n° 9.503 de 1997 diz que nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco a sua segurança, será iniciada sem a permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.
Depois, ele chama atenção para dois pontos específicos. O primeiro, sobre a questão da perturbação. “Neste ponto, o risco de perturbação é abstrato, devendo ser analisado antes de ocorrer e não após a ocorrência da perturbação propriamente dita”, explica. O segundo, no que diz respeito à permissão prévia. “Essa permissão deve ser formal, com a indicação de um responsável pela obra ou evento”.
Em outro trecho, o policial explica o que quer dizer o termo “promover” evento, vedado pela legislação vigente. “A utilização desse verbo remete aos organizadores do evento em si, mediante convite e publicações antecipadas para a adesão de participantes”. Mas não só:
Eventos organizados: “Como dito anteriormente, eventos no sentido amplo, e organizados remete a planejamento prévio de rota, horário etc”;
Participação como condutor: “O fato de integrar o evento, na condução de veículo automotor, é suficiente para enquadrar na conduta descrita”;
Sem permissão da autoridade: “Em se tratando de rodovia federal, deverá haver solicitação formal perante à Policia Rodoviária Federal (PRF)“, diz Ferreira.
Segundo Ferreira, para que um passeio ocorra de maneira legal é necessária uma comunicação prévia e formal por parte dos organizações à PRF. Esse comunicado deve conter informações relacionadas a quantidade de pessoas, veículos, rotas a serem seguidas, horário e destino.
Penalidade
A infração é classificada como gravíssima, com multa de aproximadamente R$ 2.934, além da suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo. O CTB também determina medidas administrativas, como o recolhimento da CNH e a remoção do veículo, o que, neste caso, não foi aplicado pela PRF durante o deslocamento do grupo.
De acordo com a legislação, as penalidades valem tanto para quem organiza quanto para quem participa do evento. A lei prevê ainda que, em caso de reincidência no período de um ano, as sanções devem ser aplicadas em dobro.
Em nota, a PRF afirmou que a operação, considerada de rotina, teve como objetivo garantir a segurança e a fluidez do trânsito nas rodovias federais. Segundo o órgão, os motociclistas participavam de um “grande deslocamento sem a devida autorização”, o que configura infração gravíssima conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
“A participação em eventos dessa natureza sem a permissão formal caracteriza uma infração de natureza gravíssima, sujeitando os envolvidos às penalidades previstas no CTB. A PRF reitera a importância do planejamento e da segurança. Qualquer concentração, evento ou comboio que envolva veículos e possa afetar o fluxo normal das rodovias federais deve, obrigatoriamente, possuir a autorização prévia que cumpra as determinações do CTB”, diz um trecho do documento.
Por fim, a PRF acrescenta que o objetivo da fiscalização é “preservar a vida e a ordem no trânsito, evitando riscos desnecessários a todos que utilizam a via”.
Postura questionável
A maneira com que a PRF agiu para multar os condutores, no entanto, é alvo de questionamento por parte de especialistas em trânsito. Para o advogado Rafael Borges, que atua na área há mais de 10 anos, a atuação da PRF careceu de estrutura adequada. “O errado não pode ser fiscalizado errado”, diz antes de considerar que “a forma que a PRF fiscalizou o comboio é questionável”. “Se o Estado entende que precisa autuar um grupo de 400 motos, é necessário investir em estrutura adequada para isso. Se não tem condições de fazer da maneira correta, então é melhor não fazer”, defende.
Borges reconhece que o deslocamento em massa requer autorização prévia, mas critica o método utilizado pelos agentes. “Tirar foto das placas e liberar todas as motos no mesmo instante não faz sentido. Se a ideia é garantir a segurança viária, não há lógica em agir dessa forma. Isso transmite à sociedade a sensação de que a prioridade não é a segurança, e sim a arrecadação”, completou.
“Autuar em massa, sem abordagem individual, sem identificar o condutor e sem contextualizar a conduta, viola princípios constitucionais da legalidade, da razoabilidade e do devido processo legal, além de gerar insegurança jurídica e desconfiança nas instituições. A justificativa de que ‘eram muitas motos’ não é suficiente. Se o efetivo é pequeno, que se amplie o número de agentes, mas sem sacrificar o direito de cada cidadão ser fiscalizado de forma justa e dentro da lei”, defende o jurista.
Já o advogado Marcos Vinícius Rodrigues, também especialista em trânsito, reforça a crítica ao modo de fiscalização, destacando que não havia qualquer indício de irregularidade no deslocamento. “As pessoas estavam simplesmente circulando na via. Não havia ali nenhum evento, comemoração ou comportamento atípico. Uma autuação como essa requer abordagem individualizada, com identificação do condutor, o que não ocorreu”, explicou.
Segundo Rodrigues, a ausência desses requisitos pode garantir a nulidade das penas. “Houve negligência, já que nem todos que passavam por ali participavam do passeio”, afirmou. De acordo com o advogado, o caminho a ser seguido deve ser, primeiro, apresentar um recurso administrativo. “Caso o resultado não seja satisfatório, ai sim cabe ingressar com o pedido em vias judiciais”.
Dentro das regras
De acordo com Monrara Ribeiro, uma das administradoras do moto grupo autuado, neste momento os motociclistas estão ingressando com os recursos administrativos individuais, mas estudam uma ação coletiva para contestar as penalidades.
“Muitos receberam duas multas no mesmo horário e local, o que mostra falhas claras no processo. Nenhum condutor foi informado das autuações no momento da abordagem. Os agentes apenas fotografaram as placas. Disseram que era uma abordagem de rotina, mas depois vimos que não era”, relatou.
Ela também reforçou que o passeio foi pacífico e respeitou todas as normas de trânsito. “Todos pagaram pedágios, passaram pelos postos da PRF de Goiânia normalmente e respeitaram os limites de velocidade. Não vamos aceitar essa injustiça”, afirmou.