
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começa a compreender, ainda que tardiamente, o peso político da segurança pública — tema que, historicamente, foi tratado com constrangimento pela esquerda brasileira. O recado veio a fogo cruzado do Complexo do Alemão e da Penha, onde a megaoperação “Contenção” deixou mais de 120 mortos, entre eles quatro policiais, em uma das ações mais letais da história do Rio de Janeiro. O problema não é apenas o número de mortos. É o silêncio do presidente por mais de 24 horas diante do maior enfrentamento contra o narcotráfico dos últimos anos.
Em meio à crise, Lula preferiu o cauteloso distanciamento. Evitou se posicionar claramente, mediu palavras, deixou que auxiliares se expusessem e, apenas após forte pressão pública e desgaste político, passou a adotar discursos mais duros e a anunciar medidas que, na prática, são reações táticas e apressadas. O projeto de lei “antifacção”, a criação de um escritório emergencial no Rio, o envio de peritos da PF e, por fim, a retórica de “combate ao crime organizado” — tudo isso, com o timbre da pressa, soa mais como um cálculo político do que como compromisso de Estado.
Segurança: um tema fora do radar petista
A segurança pública nunca foi o tema preferido do PT. O partido sempre apostou no viés social do combate ao crime, focado em programas de inclusão e pacificação. No entanto, o atual cenário escancarou uma dura realidade: o tráfico armado controla territórios inteiros no país e não há política social que prospere em meio ao domínio das facções.
O eleitorado, por sua vez, está cada vez menos disposto a tolerar ambiguidades. Levantamento recente do instituto Paraná Pesquisas revelou que 69,6% dos cariocas apoiaram a operação policial, e 67,9% defendem que ações semelhantes se repitam. O número é expressivo e ultrapassa ideologias. Reflete o clamor de um cidadão comum, cercado pela violência cotidiana, que quer a presença do Estado com autoridade e eficiência.
Politicagem e reação tardia
A tentativa do Planalto de se posicionar só após o desgaste é típica de quem teme mais a repercussão política do que o problema real. A operação Contenção foi precedida por meses de avanço do crime organizado em comunidades urbanas, e o governo federal, mesmo ciente do problema, permaneceu inerte. Quando o governador Cláudio Castro (PL) declarou que o estado estava “sozinho” no combate ao tráfico, abriu-se uma crise que poderia ter sido evitada com articulação prévia e coordenação institucional — mas que acabou sendo instrumentalizada pelo Palácio do Planalto como palanque improvisado.
Agora, com o envio apressado de comitivas ministeriais, promessas de endurecimento da legislação e sinalizações de alinhamento com os Estados Unidos para troca de informações sobre segurança, o governo Lula tenta recuperar o terreno perdido. Mas soa artificial. O eleitor percebe. A população sabe distinguir governança de oportunismo.
Fatura de 2026
O tema da segurança pública estará no centro do debate eleitoral de 2026 — e quem entender isso com antecedência terá vantagem. Lula, que hoje ainda ostenta certa estabilidade nas pesquisas nacionais, pode ver essa base erodir nos grandes centros urbanos caso continue tratando a segurança como um tema de segundo escalão.
A oposição, especialmente governadores do campo da centro-direita, já percebeu o vácuo. O “Consórcio da Paz” — aliança recém-criada entre estados como Rio de Janeiro, Goiás e Paraná — surge como resposta organizada, independente e, mais importante, funcional. Na prática, são os governadores que estão oferecendo à população a resposta que Brasília hesitou em formular.
O desgaste de Lula nesse tema é cumulativo. A ADPF das Favelas, o silêncio diante da escalada do crime em territórios urbanos, a crítica seletiva a operações policiais e o envio tardio de projetos ao Congresso são movimentos que, para o eleitor comum, se traduzem em uma só palavra: omissão.
O combate ao crime organizado não pode ser um ato de marketing político. Precisa ser política de Estado — firme, coordenada e sustentada por ações reais, não por coletivas de imprensa. O Planalto terá de escolher: ou se compromete de forma autêntica com a segurança pública e reconhece que o narcotráfico já se infiltrou nas veias do país, ou corre o risco de, mais uma vez, perder a periferia — a mesma periferia que em 2022 ajudou a elegê-lo e que em 2026 pode decidir virar a página.
