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Bolsonaro será 1º presidente desde o Plano Real a terminar mandato com salário mínimo valendo menos
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Publicado em 09/05/2022

Jair Bolsonaro vai terminar seu mandato em dezembro de 2022 como o primeiro presidente, desde o Plano Real, a deixar o salário mínimo valendo menos do que quando entrou. Nenhum governante neste período, seja no primeiro ou segundo mandato, entregou um mínimo que tivesse perdido poder de compra.

 

Pelos cálculos da Tullett Prebon Brasil, a perda será de 1,7%. Isso, se a inflação não acelerar mais do que o previsto pelo mercado no Boletim Focus, do Banco Central, base das projeções da corretora. As previsões vêm sendo revisadas para cima há 16 semanas. O piso salarial cairá de R$ 1.213,84 para R$ 1.193,37 entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, descontada a inflação.

 

O salário mínimo está na Constituição brasileira, que o protege de perdas do poder de compra, sendo obrigatória a recomposição da inflação.

 

“Da ótica das contas fiscais da União, a perda retratada em nossa simulação para o mínimo estende-se, em realidade, a todos os benefícios e pagamentos corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) — toda a folha da previdência, abono, Loas (Benefício de Prestação Continuada para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda)”, diz relatório da corretora.

 

Dois fatores explicam a perda inédita. Um deles é o ajuste fiscal, pelo peso do salário mínimo na indexação do Orçamento da União, ou seja, reajustes no piso têm impacto em uma gama de outras despesas, como benefícios sociais e gastos com Previdência. O segundo é a aceleração da inflação.

 

Como os índices de preços estão ficando mais altos de um ano para o outro, a reposição da inflação passada que o governo vem promovendo não garante a preservação total do poder de compra do salário mínimo.

 

Há três anos, não há reajuste do piso acima da inflação. O último foi em 2019, quando ainda prevalecia a regra de correção, que considerava a inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

 

Auxílio Brasil maior

Cerca de 64% das aposentadorias e pensões no Brasil são de um salário mínimo. Pelos cálculos de Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria, 2021 foi o primeiro ano desde 2000 que a massa total de salários pagos pela Previdência teve queda. A perda chegou a 2,5%, descontando a inflação:

 

— Não estamos prevendo reajuste real do mínimo até 2026. Não vemos espaço para aumento como aconteceu nas últimas décadas. O mínimo indexa o piso previdenciário. Mas, para as famílias das classes D e E, o mínimo é muito relevante na massa de renda.

 

Assis lembra, porém, que o Auxílio Brasil vai compensar parte da perda para essa parcela da população. A transferência dobrou para R$ 400 e foram incluídas 3 milhões de famílias no programa.

 

A aposentada Carmen Finamor voltou a trabalhar para compor a renda. Auxilia nos processos administrativos de uma loja de imóveis.

 

— Está tudo bem difícil, as coisas no supermercado estão caríssimas. Antes, eu ainda conseguia dar atenção para minha saúde, ter um momento de lazer e uma alimentação melhor. Agora, não consigo nada disso, até o básico tem se tornado uma luta diária.

 

Morando com o filho, que trabalha como microempreendedor individual e o afilhado, que é estagiário, o medo de um dos três perder o emprego é grande, diz Carmen.

 

Com a crise no mercado de trabalho, o país tem hoje a maior parcela de trabalhadores ganhando até um salário mínimo desde 2012, início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Eram 35,3% dos ocupados, o que representava 33,8 milhões em dezembro de 2021.

 

— A crise que aconteceu no mercado de trabalho em 2020, 2021 levou os trabalhadores a aceitarem posições muito piores do que tinham antes da pandemia. E a inflação está maior em alimentos, conta de luz, transporte, combustíveis, itens essenciais para o cidadão —afirma Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, que fez a divisão por ganho salarial.

 

O operador de estacionamento Bruno Santiago conseguiu emprego formal, mas vê o salário de R$ 1.250 indo só para itens básicos:

 

— Tive que diminuir o consumo de vários alimentos, principalmente carne vermelha. Acho um absurdo ter que cortar coisas até da alimentação. Fora a conta de energia.

 

Ele diz que sempre ganhou um salário mínimo, mas nunca a renda deu para tão pouco:

 

— Em 2019, eu ganhava até menos, mas dava para comprar mais coisas no mercado e ainda sobrava alguma coisa para me divertir. Hoje, tenho que escolher o que comprar.

 

Imaizumi diz que dar reajuste real talvez tenha efeito inverso. Ele calcula que 21% das admissões formais foram com um salário mínimo:

 

— Quando ajusto o salário muito para cima, pode haver demissões. A oferta (de mão de obra) não está condizendo com a demanda.

 

Em março, a Pnad mostrou que há 11,9 milhões de desempregados no país.

 

Inflação mais alta

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a inflação foi mais severa para os que ganham menos. Em fevereiro, para as famílias de renda mais baixa (até R$ 1.808,70), a inflação acumulada em 12 meses era de 10,9%, para os de renda muito alta (maior que R$ 17.764,49), era de 9,7%.

 

Com isso, a renda das classes D e E está mais comprometida com itens essenciais: casa, alimentação, comunicação e saúde. São 78,6% para essas despesas, sobrando pouco espaço para consumo, segundo dados da Tendência.

 

Pai de dois filhos e com a mulher desempregada, o auxiliar de cozinha Rodolfo Oliveira tem mais de um trabalho:

 

— Sem isso, fica quase impossível não deixar as contas atrasarem.

 

Ele ficou desempregado em 2021. Conseguiu vaga com carteira, mas a mulher, não. Ela ganha alguma renda extra como manicure:

 

— É muito ruim ver seu filho pedir algo e, às vezes, não ter dinheiro para pagar, não sobra nem para o lazer deles.

 

‘É rendimento que vai todo para consumo’

Professor emérito da UFRJ, o economista João Saboia, estudioso do mercado de trabalho há décadas, lamenta a falta de ganho real do mínimo e lembra que o rendimento vai todo para o consumo.

 

Qual o efeito da falta de correção real do mínimo?

 

É lamentável que não tenha reajuste real há três anos e, por causa da inflação, o mínimo está tendendo a uma queda este ano. O salário mínimo é importantíssimo: reduziu a pobreza, contribuiu para a melhora da distribuição da renda até meados da década passada. E, para a economia, é rendimento que vai todo para consumo. É pena que a forma institucional de garantir ganho para as rendas mais baixas tenha sido interrompida.

 

Mas há o efeito nas contas públicas…

O governo se preocupa mais com efeito nas contas públicas, por levantar o piso da Previdência, mas ele é importante para quem tem contrato formal. Há uma parcela significativa ganhando exatamente um mínimo. Nos centros urbanos mais desenvolvidos tem peso menor, mas nas regiões mais pobres é relevante. Foi uma política de valorização que começou no governo Fernando Henrique Cardoso e continuou nos governos seguintes.

Agência O Globo

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