A produção de radiofármacos usados para diagnósticos e tratamentos de várias doenças, como o câncer, pode ser paralisada no Brasil a partir de 20 de setembro por falta de verba federal.
O alerta foi dado pelo Ipen (Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear), órgão vinculado à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e principal produtor dos materiais que servem de base a esses medicamentos no país.
Em ofício divulgado para serviços de medicina nuclear, ao qual a reportagem teve acesso, é afirmado que o câmbio desfavorável e o corte no orçamento da CNEN resultaram na diminuição da verba disponível para o Ipen e, por consequência, nessa situação de risco à continuidade da produção.
Os radiofármacos são medicamentos essenciais para a medicina nuclear —especialidade que usa quantidades pequenas de materiais radioativos para o tratamento e o diagnóstico de várias enfermidades.
Entenda o impacto que a paralisação da produção de remédios para câncer pode causar
O impacto da paralisação na produção deve afetar principalmente pacientes cardíacos e oncológicos, explica George Coura, presidente da SBMN (Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear).
Além das áreas de câncer e de problemas no coração, existem ainda aplicações dos radiofármacos para demência e epilepsia, entre outras doenças, .
Estimativas da SBMN indicam que esses medicamentos devem ser utilizados em de 1,5 milhão a 2 milhões de procedimentos, como radioterapias, a cada ano.
“Na hora que faltar os medicamentos, de 5.000 a 10.000 pacientes por dia não vão ter acesso aos procedimentos”, afirma Coura.
Um exemplo de exame da medicina nuclear é a cintilografia de perfusão miocárdica. Ela indica se um paciente tem risco de sofrer ou não um infarto.
A partir daí, o médico consegue decidir se a pessoa precisa de uma intervenção, como uma cirurgia, ou se segue um tratamento medicamentoso.
Outro caso em que os radiofármacos são empregados é, por exemplo, no tratamento do câncer de tireóide.
Após retirarem a glândula, os pacientes normalmente recebem iodo radioativo. Isso serve para que tenham uma maior chance de cura e uma diminuição na probabilidade de a doença voltar a se manifestar.
Coura afirma que, sem esse iodo produzido pelo Ipen, talvez alguns pacientes não tenham uma cura dessa doença como normalmente se esperaria.
Como resolver?
Para solucionar a situação, é citada no ofício a existência de um projeto de lei que busca aprovação de recursos extras, no valor de R$ 34,6 milhões de reais, à CNEN.
Também é informado que o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), do qual fazem parte o Inpe e a CNEN, empenha-se em conseguir mais R$ 55,1 milhões de reais que seriam destinados à produção dos radiofármacos.
“Quando consultamos na Câmara a tramitação desse projeto de lei, ainda não foi sequer indicado um relator. Isso pode levar um tempo até que seja apreciado, que tenha sugestões de emendas, que passe para o Senado. Então pode ser um processo longo e, durante isso, os pacientes podem ficar desassistidos”, afirma o presidente da sociedade médica.
O Ipen e a CNEN também afirmam no ofício que “esgotaram todos os meios para que se evitasse a descontinuidade, recebendo inclusive assessoria da Advocacia Geral da União (AGU), nesse contexto”.
Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação da CNEN informou que o ministério está “conduzindo o assunto”.
O MCTI, por sua vez, respondeu que trabalha com o Ministério da Economia “desde junho de 2021” para disponibilizar mais recursos para a produção dos radiofármacos e que está “conscientizando o Congresso Nacional pela votação e aprovação do PLN 16/2021, prevista para a próxima semana”.
Também contatado, o Ipen não se manifestou até a conclusão da reportagem.
“Meu clamor é que os órgãos federais olhem com carinho e com compaixão esses pacientes e busquem alternativas mais rápidas, como outras vias de verbas ou verbas contingenciadas”, diz Coura.
“Outras alternativas que não um projeto de lei que precisa de tramitação na Câmara e no Senado, por conta do caráter emergencial do desabastecimento”, conclui.