Após ter revogado o decreto que colocava UBS (Unidades Básicas de Saúde) no escopo de interesse do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), o presidente Jair Bolsonaro afirmou, na noite de quarta-feira (28), que a norma não pretendia “privatizar o SUS (Sistema Único de Saúde)” e defendeu que a parceria com a iniciativa privada era uma forma de garantir melhor atendimento à população.
“Lamentavelmente o pessoal da esquerda critica, a imprensa critica, então eu revoguei o decreto, sem problemas nenhum. Eu tenho um bom atendimento médico, né? Agora o povo tem que ter também. Como se pode conseguir? Agindo dessa maneira, não tem outra maneira”, disse Bolsonaro para um grupo de apoiadores na chegada do Palácio da Alvorada, em declarações transmitidas por um site bolsonarista.
“Gostaríamos de oferecer [as UBS] à iniciativa privada; e qualquer atendimento ali pela iniciativa privada seria ressarcido pela União. O pessoal falou que era para privatizar, eu revoguei o decreto”, complementou, indicando que pode reeditar caso haja menos resistência no futuro.
“Enquanto isso não acontecer vai ter mais de 4,000 unidades [de saúde] abandonadas, jogadas no lixo, sem atender uma pessoa sequer”. Bolsonaro revogou o decreto na tarde de quarta após intensa oposição de parlamentares e entidades ligadas à área de saúde.
Publicado na terça-feira (27), o decreto colocava a atenção primária – porta de entrada do SUS – na mira do programa de concessões e privatizações do governo, e foi recebido com críticas de especialistas e entidades de saúde que disseram temer a privatização de um pilar do sistema.
O texto oficial era assinado por Bolsonaro e pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e previa estudos “de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de unidades básicas de saúde”. Não havia estimativa de quantas das 44 mil unidades poderiam ser incluídas nessas parcerias.
O principal ponto do projeto, conforme argumentou o PPI na terça, era “encontrar soluções para a quantidade significativa de unidades básicas de saúde inconclusas ou que não estão em operação no país”.
Questionado sobre qual seria a contrapartida ao setor privado, o programa disse apenas que a medida estava em análise de possíveis “modelos de negócios”. Apesar do movimento para preservar o documento, a ampla oposição de entidades ligadas à Saúde a parlamentares e secretários acabou por levar a presidência a cancelá-lo.
Além da reação das entidades, um abaixo-assinado contra o decreto somava até o início da noite de quarta mais de 50 mil assinaturas. Em vídeo divulgado ainda na terça, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, disse ver na medida uma privatização dos postos de saúde. Avaliação semelhante sobre os riscos da medida é apontada por Ricardo Heinzelmann, da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), que reúne médicos que atuam na atenção básica.
O Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) também saiu em defesa da revogação do decreto e disse que decisões relativas à gestão do SUS não podem ser tomadas de forma unilateral, mas em consenso entre as esferas federal, estadual e municipal.
No Congresso, onde parlamentares foram à internet criticar a medida sob a hashtag #DefendaOSUS, a desconfiança com a norma veio até mesmo de aliados. O líder do PSDB na Casa, Izalci Lucas (DF), disse que encaminharia requerimentos de informações para saber os argumentos do governo para a publicação do decreto.
“Para mim é uma surpresa. Não dá para brincar com isso. Tirar da saúde só pode ser um equívoco”, disse o senador. Também tucano, o senador e ex-ministro da Saúde José Serra (SP) criticou a medida e disse que o governo sequer pode implementar eventuais conclusões de um estudo sobre o tema.
“Essa discussão demonstra desconhecimento sobre o funcionamento do SUS. A atenção básica é de competência municipal e, portanto, o governo federal não poderá implementar as eventuais conclusões do estudo elaborado pelo Ministério da Economia”, escreveu.
O secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade no Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, foi às redes sociais defender a proposta. “Sem paciência para a fake news do dia sobre ‘privatização do SUS'”, escreveu o secretário. “A maior parte dos procedimentos do SUS já são executados pelo setor privado (Santas Casas). Além disso, PPPs em saúde não são privatizações, já existem e merecem ser estudadas sem ideologia.”
Do Agência Brasil | Em: 29/10/2020 às 12:08:53