Quatro pesquisadores do Insper propõem que as discussões sobre a reforma administrativa incluam a regulamentação do artigo da Constituição que prevê a perda de cargo público por insuficiência de desempenho. Segundo eles, para além da questão fiscal, a reforma deve tratar de incentivos aos bons servidores, que devem ser chamados a debater a questão e construir um modelo, junto com o Legislativo, que possa valer para todas as esferas de governo e para os funcionários públicos já contratados.
Uma proposta destacada pelos autores é o projeto do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, enviada ao Congresso em 1998 pelo ex-presidente FHC. Ela chegou a ser aprovado pela Câmara, foi modificada pelo Senado e está à espera de uma nova avaliação dos deputados desde 2007.
Citam também o projeto de lei do Senado 116/2017, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que chegou a ser aprovado em duas comissões e está pronto para votação em plenário desde agosto de 2019.
Nesse caso, os autores afirmam que a proposta é mais detalhada e que dificilmente poderia ser aplicada em outros níveis de governo.
A Constituição Federal prevê, desde 1998, a possibilidade de demissão de servidores públicos por insuficiência de desempenho. O texto constitucional também determina que o Congresso deve aprovar lei complementar que regulamente essa questão, algo que tem sido adiado desde então.
No início de setembro, o Ministério da Economia apresentou uma reforma administrativa que mexe novamente na Constituição e deixa para um segundo momento a regulamentação de questões como a avaliação de desempenho.
“A Constituição não estabelece uma estabilidade incondicional. A Emenda [19/1998] estabeleceu que ‘como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho’ e que há possibilidade de perda de cargo ‘mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar.’ O problema é que essa lei complementar nunca foi aprovada”, diz o texto assinado pelos pesquisadores do Insper Fernando Schüler, Sandro Cabral, Sergio Lazzarini e Gustavo Tavares.
“É um caso claro de omissão legislativa. Há 22 anos foi aprovada a Emenda 19, o artigo 41 da Constituição prevê explicitamente a avaliação e demanda que o Congresso faça uma lei regulamentando. O Congresso está descumprindo um mandamento constitucional há 22 anos”, afirma Schüler, que também é colunista da Folha.
Ele e os demais colegas afirmam que o projeto do ex-ministro Bresser tem a vantagem de ser mais flexível, o que permitiria aplicá-lo aos servidores de União, estados e municípios, que poderiam adaptar a avaliação de acordo com as especificidades de cada carreira.
Também afirmam que os processos de avaliação no setor público nunca terão as características comuns de processos análogos no setor privado. “Nesse âmbito, as avaliações individuais de desempenho devem refletir objetivos públicos claros e, sempre que possível, mensuráveis e transparentes”, afirmam.
Para os autores, o maior desafio nos primeiros anos de implementação do processo é criar uma cultura de avaliação no setor público brasileiro.
Isso começa por uma estratégia de comunicação que deve reconhecer que há inúmeros exemplos de boas e bons servidores públicos. E que a existência de um sistema de avaliação de desempenho justo e eficaz é do interesse desses profissionais também.
“A falta desse sistema faz com que alguns maus profissionais não sofram consequências pelos seus atos e deixem o fardo para colegas com maior comprometimento à causa pública”, afirmam.
O pesquisador Gustavo Tavares diz que a forma como a reforma do governo está sendo apresentada, seguindo uma estratégia de comunicação mais crítica aos servidores e sem que esses tenham participado da elaboração das novas regras, contribui para causar resistências.
“Quando você cria esse sentimento de caça as bruxas, até o bom servidor deixa de apoiar a reforma e não vê o valor de uma proposta que pode ser boa para ele. Tem de ficar claro que ela [avaliação de desempenho] será de interesse dos bons servidores”, afirma Tavares.
“A PEC [do governo] está muito confusa, mistura muitas coisas. Foi feita sem muito diálogo. Essa forma demoniza o funcionário público. É necessário ter foco no que é essencial”, diz Sandro Cabral.
“Ser humano responde a incentivo, e incentivo é recompensa e punição. Aquele que não produz mais não pode ser recompensado com salário vitalício. É um tema que independe do espectro ideológico. Deveria unir gente de direita e esquerda”, afirma.
Sergio Lazzarini diz que há várias iniciativas no setor público de avaliação de desempenho atrelada a promoções ou bônus salarial, mas que esses não são incentivos tão poderosos quanto a possibilidade de perda do cargo público.
Segundo os pesquisadores, há necessidade de envolvimento, desde já, de representantes dos servidores públicos nas discussões legislativas, para dar mais legitimidade aos projetos, o que facilitará sua futura adesão. “A simples existência de um sistema de avaliação de desempenho não garante melhoria de resultados. É necessário que esse sistema seja reconhecido por todos os envolvidos como legítimo, justo e voltado, verdadeiramente, à melhoria do serviço público”, afirmam os quatro autores.
Do FolhaPress | Em: 28/09/2020 às 09:58:40