“Eu ajudei a criar um monstro”: foi o que disse o deputado federal delegado Waldir (PSL) a respeito do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta terça-feira (26), em entrevista por telefone ao Mais Goiás. Calmamente, o parlamentar deu sua opinião sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril, a qual o ex-ministro Sergio Moro apontou como prova de que Bolsonaro teria falado em interferência na Polícia Federal (PF), além de outros temas relacionados.
Por cerca de 30 minutos, o ex-aliado de primeira ordem de Bolsonaro revelou arrependimento de ter ajudado a eleger o presidente, o qual, hoje, ele diz abertamente ser da “extrema-direita fascista”. “Não posso dizer que não sabia das tendências”, assumiu o goiano, que foi amigo do líder do Executivo, mais ou menos, a partir de 2011.
Segundo ele, tanto o PSL quanto o Republicanos são os partidos que têm, em suas bases, “fascistas”. Sobre isso, o PSL preferiu não comentar. O Republicanos foi procurado, mas não se posicionou até o término da edição da reportagem.
“Fui gado, comi capim, mas mudei”, repetiu a frase dita à uma rádio de São Paulo. “Não posso negar os meus erros. Eu vou ajudar a destruir esse monstro. Não vou deixar esse monstro solto. É o meu papel agora. Eu fui uma das pessoas que ajudou a convencer as pessoas. Não posso me manter nesse erro. Tenho que ajudar a esclarecer”.
Autoritarismo
O deputado federal goiano se diz preocupado com uma escalada do autoritarismo no País. “Quando ele aparelha o governo com militares e se junta ao centrão – que sempre defendeu os militares (ninguém dali foi preso durante da ditadura) -, havendo uma linha ideológica que defende AI-5, intervencionismo, é preocupante, sim.”
Além disso, para Waldir, o parlamento se ajoelhou quando o presidente fugiu da lista tríplice do Ministério Público e permitiu a nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República.
Ele citou, inclusive, a visita surpresa que Bolsonaro fez, na segunda-feira (25), à PGR, órgão que pode denunciá-lo por interferência na PF. Na ocasião, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliaram como caso de pressão do líder do Executivo, uma vez que o arquivamento do inquérito interessa ao presidente. “O procurador da República, pressionado, terá dificuldade em denunciar”, avalia o parlamentar.
Impeachment
Waldir também foi questionado se existe clima de impeachment na Câmara. Ele diz que pode haver, caso ocorra pressão popular. “Acredito que o presidente já trabalhou uma negociação com o centrão [para barrar o impedimento]. Tem feito distribuição de cargos e, com isso, garante os 172 votos para impedir o impeachment.”
Apesar disso, o congressista goiano avalia que esta pressão tem começado a surgir e pode crescer. “O inquérito deve demonstrar crime de responsabilidade.” Isso se Augusto Aras denunciar, ele frisa. “A indicação de alguém de fora da lista tríplice foi uma ação estratégica para se manter até o fim do mandato.”
Ainda assim, Waldir, que é membro e participa da investigação da CPI das Fake News, diz que outros fatos ainda estão por vir. “A gente sabe que existem situações gravíssimas envolvendo os filhos de Bolsonaro. Carlos e Flávio em razão das rachadinhas e milícias; Carlos e Eduardo nas milícias virtuais”, diz sem aprofundar.
“80% do gado que ataca o Congresso, STF e a imprensa é com recurso que pagamos. As ações iniciadas pelo ministro Alexandre de Morais chegarão adiante. Isso eu digo como alguém do meio policial, que acompanha investigações e análises. Não é informação privilegiada”, insinuou.
PF
Waldir também comentou sobre a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que antecipou que haveria operações da PF contra governos estaduais. A parlamentar afirmou, na segunda-feira (25), em entrevista à Rádio Gaúcha, que a Polícia estava prestes a deflagrar ações contra desvios na área da saúde nos estados. Nesta terça-feira (26), agentes cumpriram mandados na residência oficial do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). A esposa do gestor também foi alvo.
“O atual ministro da Justiça (André Luiz de Almeida Mendonça) é íntimo da Zambelli. Alexandre Ramagem (que quase assumiu a direção-geral da PF) também é ligado a ela. E ela disse que a investigação seria de governadores. Isso demonstra que Witzel não será o único”, avalia o deputado federal.
Ao Mais Goiás, a assessoria da deputada afirmou ser “absurda e sem qualquer respaldo na realidade a interpretação de parcela da mídia de que saberia, com antecedência, a realização da operação ‘Placebo’ realizada hoje no Rio de Janeiro contra autoridades do governo estadual”. Sobre o material na rádio, é dito que se trata de informações já conhecidas e publicadas na mídia. “Desde ontem, adversários políticos do governo Bolsonaro tentaram explorar politicamente alguns trechos da entrevista da parlamentar, tirando ilações levianas e fazendo acusações espúrias e sem qualquer fundamento”, afirma, ainda, a nota.
Por fim, ela afirma que é preciso destacar “que a citada operação foi iniciada pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro e determinada pelo Superior Tribunal de Justiça, sem qualquer participação direta do governo federal”.
Já está aparelhada
Para Waldir, a PF já foi aparelhada. Ele cita, ainda, que a Polícia Federal realizou uma investigação do deputado federal, delegado Pablo (PSL-AM), que não é da ala bolsonarista do partido, por um fato de 2012. “Busca e apreensão na casa dele e da mãe. Ano passado, na casa do [Luciano] Bivar [presidente do PSL] e não achou nada. Já estava aparelhada.”
Segundo ele, existe uma linha no STF e na Câmara que estará atenta às ações e omissões, e que estas serão denunciadas. “E a imprensa tem tido papel fundamental, democrático, imparcial. O presidente não vai conseguir calar a imprensa”, elogia.
A Polícia Federal foi procurada para comentar, mas não se manifestou até o fechamento da matéria. O espaço permanece aberto.
Reunião
Waldir avalia negativamente para Bolsonaro a reunião do dia 22 de abril, divulgada na última sexta-feira (22), com autorização do STF. Apesar disso, ele afirma que os seguidores fiéis, cerca de 25% (na avaliação dele), são semelhantes aos defensores de governos passados. “Os grupos do Lula também eram cegos, fanáticos políticos. O gado da direita é cego, de forma semelhante. Se o Bolsonaro mandar pular na merda, eles pulam na merda”, não poupa o palavrão.
“Pode mostrar qualquer caso de corrupção, que não adianta. Eles, agora, estão defendendo a aliança com o centrão. Ontem, o centrão era bandido. Não tem um argumento para falar de rachadinha. Eles não conseguem defender a questão do combate a corrupção.”
Em 2022, segundo o deputado delegado Waldir, serão 25% de eleitores para Bolsonaro, 25% de petistas e os 50% contra ambos. Para ele, a chapa ideal seria o apresentador Luciano Huck e ex-ministro Sergio Moro. “Dobradinha perfeita. Moro traz antipatia da esquerda e extrema direita, mas agrega centro e direita. Huck é fenomenal. Agrega esquerda e direita”, avalia.
Corrupção
Waldir aproveitou para comentar sobre a agenda anticorrupção, que ele diz ter sido esvaziada no governo. “Era o líder do PSL, 54 deputados.” Segundo ele, além das emendas orçamentárias de R$ 15 milhões por deputado, houve mais R$ 20 milhões (e R$ 40 por líder) para a aprovação da reforma da Previdência. Mas para o pacote anticrime, nada.
“Participei de reuniões onde foi negociado isso. Já em razão do pacote anticrime, que era a principal bandeira (e o presidente surfou na onda da Lava Jato), não foi gasto um centavo. Presidente cruzou os braços. Se quisesse, poderia ter tido sucesso, como foi originalmente pensado pelo Moro. E Moro foi percebendo”, defende o ex-juiz, que deixou o cargo no último mês com acusações de interferência na PF por parte do presidente.
O deputado traz um ponto interessante. Segundo ele, Sergio Moro chegou a “criar” uma bancada própria na Câmara. “Tinha 160, 170 deputados. Mais do que o presidente, que só tinha os 54. Mas não era suficiente para bancar o pacote anticrime. Centrão e esquerda trabalhavam contra”, encerrou.
Líder do Governo
O líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL) rebateu as falas de Waldir. “Quero expressar minha indignação, mas não fico surpreso”, disse ele sobre a afirmação de que o presidente é da extrema direita fascista. “Sempre soube que ele traria o presidente, como fez com todos os outros políticos. O presidente não se afastou de nenhuma das pautas que ele defendeu.”
Segundo Vitor Hugo, Waldir, agora, faz críticas infundadas. Sobre a escalada do autoritarismo e aparelhamento do governo ao com militares e aproximação do centrão, o líder do governo na Câmara diz que o delegado buscou, no ano passado, esta aproximação de maneira subserviente. “Ele, como líder do PSL, nenhuma vez deu ao partido o poder político por falta de liderança. Essa crítica é oportunista.”
Já sobre a nomeação de Aras fora da lista tríplice, Vitor Hugo afirma que esta lista não é legal e nem constitucional. “O presidente fez algo que a Constituição lhe permite.” Em relação ao aparelhamento da PF, o líder afirma que a Polícia Federal é uma instituição de Estado e que jamais admitiria qualquer tipo de interferência. “E o presidente também não. Primeiro, porque não quer, segundo porque não teria como.”
Vitor Hugo continua dizendo que Bolsonaro não tem qualquer ingerência sobre isso. “[A PF é] Guiada pelo MPF e autorizada pelo poder Judiciário. Não faz qualquer sentido”, finaliza.
Francisco Costa
Do Mais Goiás | Em: 27/05/2020 às 08:00:47