Sem abraço. Sem beijo. Sem o tradicional almoço em família. O surgimento inesperado da pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 264 mil, e o isolamento social adotado para conter o alastramento da doença, fizeram com que as relações interpessoais ganhassem um novo significado. Neste contexto de alerta e distanciamento, o Dia das Mães do ano de 2020 também ganhou novo sentido. No período em que o contato físico precisa ser cada vez mais escasso, mães e filhos buscam novas formas para estarem juntos, mesmo que à distância. Carinho e muito amor virtual compõem o cenário de comemoração da data especial nas residências de goianos espalhados pelo Brasil.
Mais de mil km separam Pedro Henrique, de 23 anos, da mãe Denise Dias, 54. De um lado, o jovem atua como físico médico residente do Hospital Camargo Câncer Center, em São Paulo. Do outro, a professora do Instituto Federal de Goiás (IFG) cumpre à risca a quarentena: ministra aulas de casa e sai do imóvel em que mora na cidade de Ceres apenas para atividades essenciais. Mesmo de longe, os dois compartilham o mesmo sentimento: a saudade.
Sem ver a mãe há cerca de três, Pedro Henrique já havia se programado para visitar a família no próximo domingo (10). Com antecedência, comprou a passagem aérea em meados de fevereiro. Os planos mudaram, voo, cancelado, e o físico médico precisou reorganizar a programação do Dia das Mães. Aceitar a distância nesta data foi difícil para o jovem. Ele conta que pensou, por um momento, em fazer a viagem de carro. A própria consciência o impediu.
Pedro Henrique vive no epicentro da covid-19 no Brasil. São Paulo já registrou mais de 40 mil casos confirmados de coronavírus, além de mais de 3 mil óbitos. O departamento em que atua também registrou casos da doença. Mais um risco. Perigo bem próximo. Ao repassar na mente todo o cenário vivido por brasileiros na atualidade, desistiu da viagem.
“A ansiedade é tanta que eu pensei, sim, em viajar. Mesmo com tudo que está acontecendo. Nesses momentos a gente busca o calor e o colo materno. É uma frustração porque já estava tudo organizado. Dá vontade de ir para Ceres, mas é um risco para minha mãe, minha família. É aí que me recomponho e penso que a distância é um ato de amor. Estou preservando a vida dos que amo”, afirma.
“Anjo bom e anjo mau”
Entre o clima de frustração, ansiedade e tensão, Pedro Henrique consegue separar um tempo para descontrair. Ele relata que dois anjos – um bom e um mau – ficam em seu subconsciente há todo momento. “O primeiro me diz para ficar em São Paulo e manter o distanciamento para não representar risco à minha mãe. O segundo me diz para viajar e ver minha família, matar a saúde, ganhar um abraço. É um dilema difícil”, conta.
Pedro e a família já possuem histórico de distância. Ele morou em Goiânia, a 190 km dos pais, durante toda a graduação iniciada em 2015. No ano de 2019, a distância aumentou com a mudança dele para São Paulo. Mas, segundo ele, nada se compara ao momento atual. “Nada pode ser comparado a esse momento de isolamento social que vivemos. O clima de saudade só aumenta pelo período de incertezas e medo que passamos. Sinto falta de tudo. Das conversas, abraços, da comida, do colo de mãe”.
Encontro da família antes da pandemia. (Foto: arquivo pessoal)
A alternativa encontrada – e intensificada durante a pandemia – têm sido os recursos tecnológicos. As videochamadas passaram a ficar cada vez mais frequentes. Elas devem ser, novamente, as aliadas para este Dia das Mães na família de Pedro Henrique. O presente da mãe tem sido alvo de negociação com a irmã do jovem, que também está confinada no interior goiano com a mãe Denise.
“Nós discutimos o que pode ser uma surpresa agradável para nossa mãe e a minha irmã vai ficar incumbida de comprar. Na Páscoa e nos aniversários da minha mãe e irmã – ambos em abril – fizemos videochamadas. Comprei presentes via internet e pedi para serem entregues a elas. Assim vamos nos virando. O Dia das Mães será à distância mas não vai faltar amor”, garantiu.
Vontade de reunir
“Gostaríamos de estar juntos”. Assim responde a professora Denise, mãe de Pedro Henrique, sobre como queria que fosse o Dia das Mães. Contra a vontade dela, a data será celebrada à distância. Em Ceres, a mulher, a filha e o marido vão aguardar a ligação do filho em São Paulo. A intenção é ficar o maior tempo que conseguirem juntos. “Tentar fazer o máximo de coisas compartilhadas”, afirma.
A mulher lembra que esta não é a primeira vez que ela e o filho passam a data separados. Em 2018, quando fazia um curso de doutorado na França, tiveram de ficar distantes. À época, ficar longe foi difícil, mas ela concorda com Pedro Henrique e diz que nada se compara ao que vivem agora.
Denise define a situação como desagradável e angustiante. “É muito mais complicado agora. Tem a questão da doença, do contágio. Tem o medo e a insegurança aliados à saudade e distância. Mesmo com a vontade de nos encontrarmos, decidimos ficar separados neste momento”, ressaltou.
Para o Dia das Mães, a ideia é manter o que a família já vem fazendo durante a quarentena. “Intensificamos as chamadas de vídeo. Tentamos fazer as coisas juntos. Assistir um filme, uma live, ler um livro. Às vezes são coisas simples como pedir opinião sobre a cor de tinta para a pintura da casa ou a melhor posição para os móveis, por exemplo. É assim que minimizamos a distância, buscando viver mais em grupo, mesmo que longe”.
Chamadas de vídeo são responsáveis por unir Pedro Henrique e a família. (Foto: arquivo pessoal)
Distância que faz sofrer
Aos 76 anos e com 7 filhos, dona Hermínia Bueno de Sousa vai ter que passar o Dia das Mães como nunca imaginou: sem a presença dos filhos. Residente em Silvânia, a mulher tem tido contato com apenas uma filha, a responsável pelos cuidados da mulher. A distância não é uma opção, é quase uma obrigação e a faz sofrer. A idosa vive bem e tem boas condições de saúde, mas é do grupo de risco da covid-19 e, por isso, a prole decidiu não se aproximar, mas só fisicamente, já que o contato permanece por chamadas telefônicas e mais raramente videochamadas.
Dona Hermínia não possui muita familiaridade com a internet. Por isso, as chamadas de vídeos – saída para a saudade de muitos – não têm sido muito frequentes na quarentena da idosa. É aí que a saudade aperta, mas, firme, ela garante: “não vou ficar triste porque meus filhos me amam de perto e de longe. Por enquanto é melhor cada um ficar em sua casa”.
Dona Herminia e os sete filhos antes da pandemia da covid-19
Cerca de 97 km separam a Hermínia da filha Elisabeth Lemes de Sousa Martins, doutora em Psicologia e professora efetiva da rede estadual de Educação. Moradora de Aparecida de Goiânia, a mulher sofre com os três meses longe da mãe. O sofrimento aumenta por conta do Dia das Mães, data sempre muito bem celebrada na família, com direito a reunião dos sete filhos, netos e bisnetos da matriarca.
Este ano a celebração vai ser diferente e Elisabeth estuda as possibilidades para conseguir estar presente mesmo de longe. “Estou pensando em fazer chamada de vídeo compartilhada com meus irmãos. Assim, nossa mãe poderia ver todos os filhos reunidos como geralmente fazemos nesta data”. O sentimento da professora é o mesmo da mãe: misto de saudade, alívio e tristeza. “Estou ainda mais triste porque sinto que ela está triste, mesmo dizendo que não. Ela é idosa, todo dia é valioso. O alívio é saber que estamos fazendo o máximo para deixá-la saudável. Ficar longe é preciso”, ressalta.
A ideia para este ano é presentear a mãe com um celular smartphone. Assim, a mãe pode começar a pegar um pouco mais de intimidade com a tecnologia e usá-la para matar um pouco da saudade. “Ela é minha rainha. Perto ou longe meu amor é o mesmo. Estou triste pela distância, mas feliz por tê-la viva, com saúde e em segurança. Isso vai passar e logo estaremos juntas novamente”.
Videochamada entre dona Herminia e Elisabeth
Jessica Santos
Do Mais Goiás | Em: 10/05/2020 às 05:00:18