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Advogados presos na CCP denunciam tortura em carta à mão
Polícia
Publicado em 24/04/2020

Três advogados estão detidos em uma cela comum do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (CPP). José Roberto de Sá, Adelúcio Lima Melo e Luiz Carlos de Souza Lima alegam maus-tratos praticados por agentes prisionais e realizaram uma denúncia por meio de uma queixa-crime que o Mais Goiás teve acesso.

 

José Roberto de Sá é quem escreve o texto, a mão, que foi enviado ao promotor de justiça da 25ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia. A filha dele, Ana Paula Castilho, falou por telefone com o portal. Ela, que é também advogada, informa que o pai está preso há 1 ano e meio, acusado de participação em um homicídio. “Além de advogado, ele é detetive e foi contratado para localizar uma pessoa. Ele achou, mas essa pessoa foi assinada. Ele não sabia de nada, nem disparou, e eles [a justiça] sabem”, explica situação ao reforçar que o pai já é um homem idoso, com 63 anos e problema de saúde. “Ele toma remédio para pressão, depressão, ansiedade e para dormir.”

 

Inclusive, ela encaminhou ao Mais Goiás uma declaração médica que diz o seguinte: “Declaro para os devidos fins que o paciente acima apresenta as comorbidades Depressão + insônia + Hipertensão + (…). Faz uso de Losartana, HCTZ, Sertralina, Quetiapina. Diante da atual pandemia, segundo o Mistério da Saúde, pessoas com comorbidades e faixa etária acima de 60 anos deverão ter cuidado redobrado e se manter em isolamento (sic).”

 

Tortura

Segundo ela, a lei não tem sido respeitada e tanto o pai, quantos os outros dois advogados, têm sido torturados. Nesse período, Ana revela que o trio passou pelo Núcleo de Custódia, CPP, voltou ao Núcleo e, em decorrência da pandemia, foram enviados novamente ao Complexo Prisional. Em nenhum momento, ela diz, foram colocados em Sala de Estado Maior, conforme prevê a lei. “Além de não ter esta sala, é preciso dizer que meu pai é investigado, suspeito, não é condenado”, alega, ainda.

 

Questionado sobre o tipo de maus-tratos a que o trio, especificamente seu pai, vem recebendo, ela afirma que torturas psicológicas. “É xingado, dizem que ele, ali, não é nada. É bandido.” Além disso, quando estava no núcleo, em uma enfermaria – ou seja, uma sala improvisada –, José chegou a emagrecer 40 kg, segundo a advogada. “O almoço chegava às 9h, azedo. Só podíamos levar água. E sabemos pelos noticiários que os presos comum têm comida, TV, até celular. Meu pai nem relógio para saber os horários de tomar remédio.”

 

Ainda sobre as torturas, ela continua: “Já empurraram ele, uma vez, antes de fazer um corpo de delito. Machucou o joelho e não foi colocado no exame. Quando foram levar ele para a audiência de custódia, no camburão, ficaram balançando de propósito e freando bruscamente para ele [e os outros], que ficam algemados, se machucarem.”

 

Também segundo ela, já fizeram revistas com caráter meramente vexatório ao pai dela. “Dizem que é questão de segurança, mas fazem para torturar. Sabem que meu pai não tem nada. Colocam nu e mandam agachar e levantar.”

 

Por meio de áudio disponibilizado ao portal, um informante afirma que houve, sim, tortura ao trio de advogados. Ele cita, inclusive, que os internos já foram deixados sem água por um fim de semana.

 

Queixa-crime

No documento escrito a mão em 26 folhas de caderno, é exposto que, em menos de 25 dias, o trio foi por quatro vezes transferido para celas improvisadas, “entre a CPP e o núcleo de custódia, comprovando, assim, que não existe no sistema prisional do Estado a sala de Estado Maior”. Eles também requerem que o núcleo de custódia, na pessoa do diretor, apresente quatro exames de delito realizados nos advogados nos dias 14 de março e 2, 8 e 9 de abril, “bem como os termos de depoimento prestados pelos querelantes no dia 6/4/20”.

 

O documento também aponta que os advogados têm sofrido de abuso de autoridade. “Estão submetidos a tratamentos desumanos, em local insalubre, sem ventilação adequada, com lâmpadas ligadas 24h por dia, na cela, sem assistência médica e social, sem segurança, causada pela superlotação carcerária, encarcerados em ‘pseudo salas’, improvisadas.”

 

Segundo relatado, ainda, as salas improvisadas ficam em blocos/alas dentro do complexo, junto a presos de alta periculosidade, condenados e provisórios, sendo a maioria de facções criminosas. O texto aponta que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), este espaço deve ser fora do presídio.

 

Proibições

O documento tem mais de 20 de páginas de texto escrito a mão em letra cursiva com caneta azul. A caligrafia não é difícil de compreender, mas é possível ver algumas rasuras e pequenos erros, dado ao tamanho do manuscrito.

 

Por volta da quinta página, ele traz as proibições feitas aos juristas como, por exemplo, a entrada de qualquer tipo de alimento custeado por familiares; e entrada de repelentes, mesmo havendo insetos na sala. Também é dito que as visitas foram reduzidas a duas horas semanais; que o trio é submetido, ao entrar no complexo prisional, a um “ritual” destinado a presos comuns, como raspar a cabeça e barba; etc.

 

“Estão proibidos, ainda, aos advogados: caneta, papel, livros, palavras cruzadas, qualquer tipo de distração intelectual. E ainda: TV, rádio, relógio, aliança, ventiladores, panelas, talheres, garrafas térmicas, pano de prato, pratos, bebedouro (água gelada), tomando água da torneira, cadeiras (…), sendo obrigados a dormir em colchonetes espalhados pelo chão.” Eles reclamam, ainda, não terem locais adequados para lavar e secar roupa. “Uma verdadeira falta de dignidade e respeito”, escrevem.

 

Transferências

No dia 14 de março, segundo o documento, os advogados foram levados para uma cela comum, em meio a uma população carcerária “com mais de 2.700 presos”. O texto especifica, ainda, que eles estão na mesma ala prisional que outros 46 detentos comuns, sendo necessário passar por eles para o deslocamento ao banho de sol.

 

No dia 2 de abril, eles foram levados novamente ao núcleo de custódia. “Os querelantes foram jogados em uma cela comum, chamada de múltipla 1, totalmente suja, com vazamento de água, instalações elétricas expostas (…), banheiro incompleto e com vazamento (…).” Ali, o texto afirma que eles ficaam por sete dias, sendo cinco sem roupa de cama, colheres, chinelo, água potável, só com a roupa do corpo e com um refletor ligado 24h por dia. Naquele momento eles foram informados que seriam algemados como preso comum.

 

Ainda no dia 2 de abril, é relatado que um agente teria ameaçado Adelúcio de morte – ele é acusado de ter mandado matar o advogado Hans Brasiel da Silva Chaves, que seria amigo do servidor. “Você vai morrer, já está tudo preparado”, teria dito o profissional de segurança. Confira o documento na íntegra AQUI.

 

OAB

Kleyton Carneiro, presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-GO, afirma que todas as prisões de advogados são acompanhadas pelo colegiado. Segundo ele, a briga inicial foi pela inicial foi pela desativação do local onde eles estão detidos. “Apesar de estarem presos em local de segurança máxima, eles devem ser submetidos ao regramento de prisão normal, pois não apresentam periculosidade”, apontou.

 

Ele informou, ainda, que sobre o caso deste trio, o colegiado montou uma força tarefa que inclui membros das comissões de Segurança, Direitos Humanos, Criminal, além da própria de Prerrogativas e Direitos. O intuito é apurar as denúncias. Questionado em que pé está a investigação, Kleyton diz que as análises correm de maneira sigilosa, pois envolve servidor público do alto escalão.

 

“Temos essa força para cobrar agilidade e responsabilidade. Mas ainda não podemos publicizar as investigações”, reforça.

 

DGAP

Em nota, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) informou que realizou procedimentos internos para apurar as denúncias de maus tratos no Núcleo de Custódia ao ter conhecimento sobre a queixa-crime, mas não foram constatados eventos de violência contra esses presos. “Em relação à denúncia de maus tratos na Casa de Prisão Provisória (CPP) de Aparecida de Goiânia, para onde os custodiados foram transferidos, sob custódia em celas separadas do restante da população carcerária, a direção do estabelecimento penal esclarece que não procedem as manifestações apresentadas”, informa outro trecho.

 

Confira na íntegra

A direção do Núcleo de Custódia, unidade pertencente à Superintendência de Segurança da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), informa que, ao ter conhecimento sobre as denúncias de maus tratos aos quatro advogados, realizou procedimentos internos de oitivas para apuração interna dos fatos e, por meio de laudos periciais, não foram constatados eventos de violência contra esses presos. Diante da denúncia, os quatro presos foram transferidos à Casa de Prisão Provisória (CPP) de Aparecida de Goiânia, por determinação do diretor-geral de Administração Penitenciária, coronel Agnaldo Augusto da Cruz, que determinou também a apuração dos fatos, já em desenvolvimento pela Corregedoria Setorial da DGAP.

 

Em relação à denúncia de maus tratos na Casa de Prisão Provisória (CPP) de Aparecida de Goiânia, para onde os custodiados foram transferidos, sob custódia em celas separadas do restante da população carcerária, a direção do estabelecimento penal esclarece que não procedem as manifestações apresentadas.

 

A DGAP ressalta ainda que as manifestações dos advogados dos custodiados e de familiares devem ser protocoladas de forma oficial por meio da ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP) pelo telefone ( 62) 3201-1212 ou via endereço eletrônico ou site da CGE, para que o órgão possa tomar as devidas providências, caso seja preciso.

 

Goiânia, 23 de abril de 2020.

 

Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP)

Comunicação Setorial

 

Francisco Costa

Do Mais Goiás | Em: 24/04/2020 às 15:45:48

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