
Projeto cria tipos penais inéditos, amplia investigações e endurece punições ao crime organizado
A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do PL Antifacção, que cria um marco nacional de enfrentamento às organizações criminosas e estabelece penas mais severas para líderes e integrantes de facções. O projeto, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), recebeu 370 votos favoráveis e 110 contrários e segue para o Senado.
O texto reformula pontos da Lei de Execuções Penais e da Lei de Organizações Criminosas, amplia instrumentos de investigação, cria tipos penais inéditos e estabelece regras nacionais para o combate às facções, milícias e grupos paramilitares.
Infiltração, empresas fictícias e monitoramento
O projeto autoriza a criação de empresas fictícias destinadas à infiltração em facções para rastrear fluxos financeiros e operacionais. As estruturas podem funcionar como fintechs, joalherias, lavanderias ou outros empreendimentos de fachada, com registros monitorados em sistema próprio da investigação.
O projeto cria um novo marco legal de combate ao crime organizado e endurece as penas contra líderes de facções criminosas
Guilherme Derrite, relator do projeto
O texto regulamenta a infiltração de agentes em organizações criminosas e autoriza a colaboração de integrantes sem desligamento formal da facção, com possibilidade de redução de pena. O PL também prevê o monitoramento de conversas entre presos e advogados, mediante autorização judicial, quando houver indício de uso do parlatório para transmissão de ordens.
A proposta cria o Banco Nacional de Organizações Criminosas Ultraviolentas. A estrutura unificará dados de integrantes, colaboradores e financiadores, com integração obrigatória aos bancos estaduais. Segundo o Ministério da Justiça, existem entre 80 e 90 facções ativas no país.
O cadastro facilita a identificação nacional de suspeitos e o cruzamento de informações, suprindo a falta de uma certidão criminal unificada no Brasil.
Penas ampliadas e novas tipificações
O PL cria o tipo penal “domínio social estruturado”, com pena de 20 a 40 anos, aplicada a ações que envolvem:
controle territorial;
uso de explosivos e armas de fogo;
ataques a forças de segurança;
sabotagem de serviços públicos;
bloqueio de vias;
Deputados da oposição comemoram aprovação do projeto. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Deputados da oposição comemoram aprovação do projeto. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
ataques a instituições financeiras;
sabotagem de aeroportos, portos, hospitais e escolas;
tomada de aeronaves e ações do chamado “novo cangaço”.
Lideranças podem receber penas de até 66 anos, conforme agravantes. Todas essas condutas passam a ser consideradas hediondas, com progressão mais rígida e vedação de benefícios como indulto e livramento condicional.
‘Terrorismo’ cai da pauta
Durante a votação, parte da oposição defendeu a equiparação de crimes de facções ao terrorismo. O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que a medida responde a demandas da população e disse que “o tema era um clamor da sociedade”.
O destaque que tratava da equiparação foi barrado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que considerou o dispositivo matéria estranha ao projeto. Com isso, a classificação formal de facções como terrorismo não entrou no texto final.
Mesmo sem a equiparação, Derrite elevou as penas e reforçou mecanismos de repressão, afirmando que o texto aprovado representa “a resposta mais dura da história da Câmara no enfrentamento ao crime organizado”.
O projeto tipifica o crime de favorecimento ao domínio social estruturado, com pena de 12 a 20 anos e multa. O enquadramento abrange:
apoio logístico;
abrigo ou assistência a integrantes;
divulgação de conteúdos de incentivo;
produção ou guarda de armas e explosivos;
uso de bens ou propriedades para práticas criminosas;
alegação falsa de ligação com facção para obter vantagem.
Bloqueio de bens e intervenção em empresas
O juiz poderá determinar bloqueio, sequestro e perdimento de bens ainda no inquérito, quando houver risco de ocultação ou indícios de origem ilícita. As medidas alcançam bens físicos, digitais, criptomoedas, participações societárias e empresas.
O texto permite intervenção judicial imediata em empresas usadas por facções para lavagem de dinheiro. O interventor poderá afastar administradores, auditar operações e suspender contratos suspeitos.
Bens apreendidos serão destinados a fundos estaduais de segurança ou ao Fundo Nacional de Segurança Pública, conforme a natureza da investigação.
Execução penal
As regras de execução penal ficam mais rígidas:
progressão poderá exigir de 70% a 85% da pena, conforme o caso;
líderes cumprem pena obrigatoriamente em presídios federais;
auxílio-reclusão fica vedado para dependentes de condenados pelos crimes do projeto;
parlatórios poderão ter gravação mediante autorização judicial.
Audiência de custódia
Audiências de custódia serão realizadas prioritariamente por videoconferência, exigindo justificativa do juiz para ser presencial. O prazo para investigação será de 30 dias para presos e 90 dias para soltos, prorrogáveis uma vez.
Ação civil de perdimento sem prescrição
O projeto cria ação civil imprescritível para perdimento de bens relacionados ao crime, independentemente da sentença penal. O mecanismo permite confisco no Brasil e no exterior, com divisão dos valores recuperados em caso de cooperação internacional.
Mineração e crimes ambientais
Haverá agravante para crimes cometidos com objetivo de extrair recursos minerais ilegalmente ou explorar áreas protegidas, com aumento de pena de metade a dois terços.
Derrota para o PT
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), orientou contra o relatório e afirmou que o substitutivo desvirtuou o texto original enviado pelo Executivo. A base tentou retomar o projeto inicial, mas foi derrotada.
O líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), também chegou a reclamar dizendo que o relator não quis conversar com o governo sobre a última versão do texto. “Faltou diálogo, vontade de sentar na mesa de negociação. Continuam tirando dinheiro da Polícia Federal e atrapalhando a investigação pela Receita”, disse.
Com a aprovação, o PL Antifacção segue para análise do Senado.
