
A crise provocada pelo decreto que ampliava a cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre investimentos no exterior revelou falhas graves de articulação dentro do governo. Segundo relatos ouvidos pela Folha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi informado com clareza sobre os impactos da medida, e a Casa Civil teve menos de 24 horas para analisar o texto final antes da publicação no Diário Oficial.
Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha afirmado que o decreto “foi debatido na mesa do presidente”, interlocutores do Planalto sustentam que Lula não conhecia a extensão real da proposta, especialmente o trecho que elevava a tributação de fundos de investimento brasileiros no exterior — ponto que gerou forte reação do mercado e teve de ser revogado horas depois.
A medida, elaborada às pressas para fechar o relatório bimestral de avaliação do Orçamento, foi mantida sob sigilo até o último momento, restringida a um grupo fechado de técnicos da Fazenda. A Casa Civil, chefiada por Rui Costa, só teve acesso ao texto menos de um dia antes da publicação, o que impediu uma análise jurídica e técnica mais robusta.
Fontes da equipe econômica admitem que a elaboração da medida foi feita com pressão de tempo, em meio à greve dos servidores da Receita Federal e ao objetivo de evitar um bloqueio de R$ 51,8 bilhões no Orçamento de 2025. Com a estimativa de arrecadar R$ 20,5 bilhões com a mudança no IOF, o governo buscava reduzir o aperto fiscal para R$ 31,3 bilhões.
No entanto, a redação do decreto não deixou claro o impacto negativo para o setor de fundos e foi publicada sem consulta adequada ao Banco Central. O presidente da instituição, Gabriel Galípolo, disse ter sido surpreendido com o conteúdo. A declaração gerou desconforto após o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, afirmar que o tema havia sido tratado com o BC — o que Galípolo nega.
A tensão entre Galípolo e a equipe de Haddad chegou ao Palácio do Planalto. Segundo assessores presidenciais, Lula ficou incomodado com a exposição pública do ruído e com a percepção de que o decreto havia sido empurrado para sua mesa sem que os riscos tivessem sido devidamente sinalizados.
A crise evidenciou uma fragilidade na engrenagem decisória do governo. A Casa Civil — responsável por revisar e integrar políticas públicas entre os ministérios — não teve tempo hábil para revisar tecnicamente o decreto. Já o Planejamento só foi comunicado na reta final, para ajustar os dados fiscais no relatório.
A consequência foi uma medida mal calibrada, revogada sob pressão poucas horas depois, e que deixou marcas na relação entre Fazenda, Banco Central e Planalto. A tentativa de conter o desgaste foi feita com o recuo parcial e declarações moderadas, mas o episódio reabriu a discussão sobre a falta de previsibilidade e coordenação no núcleo econômico do governo.
