Mais que doadores, os principais financiadores da campanha de Pablo Marçal (PRTB) à prefeitura de São Paulo têm perfis que ajudam a compor os valores e categorias profissionais que o candidato busca personificar. Pessoas ligadas ao mercado financeiro, instituto de ideias libertárias, consultorias e agronegócio fazem parte da lista dos que mais botaram dinheiro na candidatura. A lista também ilustra a expansão da onda Marçal para fora da capital paulista, com doadores de outros estados. Entre eles, um empresário mineiro de 75 anos que pagou, no ano passado, R$ 250 mil pela mentoria mais cara oferecida pelo influenciador — Lucio Pereira dos Reis desembolsou R$ 10 mil para a campanha.
Apoiador de Jair Bolsonaro (PL) — exibe até um quadro do ex-presidente no escritório em que trabalha —, Lucio Pereira dos Reis comanda uma imobiliária em Belo Horizonte, mas vê Marçal como a “solução” para São Paulo, cidade que diz frequentar. O investimento que fez na campanha é módico se comparado ao montante 25 vezes superior que se orgulha de ter pago na mentoria.
— Conversamos com ele uma vez por semana, tem aula por vídeo. Também temos aulas presenciais no resort ou na plataforma dele em Alphaville, além de encontros que a gente marca. É um negócio fantástico — descreve o empresário, que afirma ter buscado no curso uma forma de aprender a gerenciar melhor o próprio dinheiro.
Reis simboliza mais de um aspecto comum à onda Marçal: é aluno do influenciador, apoia a candidatura a despeito de não ser paulistano e discorda da aliança entre Bolsonaro e o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Classifica o candidato à reeleição como “fraquinho” e avalia que o ex-presidente errou na escolha. O posicionamento joga luz sobre o que especialistas vêm apontando: o bolsonarismo pode ter chegado a um momento em que já não depende do envolvimento direto de Bolsonaro para se manter vivo.
Recordista
Chama atenção, no topo das doações, a discrepância de poderio financeiro entre os apoiadores. Se o bilionário Helio Seibel, da HS Investimentos, encabeça a lista dos 26 mil doadores com uma transferência de R$ 100 mil, há casos como o de uma mulher com endereço registrado em uma favela da Zona Norte de São Paulo e que, apesar de enfrentar na Justiça processos movidos por instituições financeiras, decidiu investir R$ 25 mil na candidatura. É a quarta que mais doou. As quantias de R$ 10 mil e R$ 25 mil, inclusive, seguem padrões, com mais de um apoiador fazendo Pix dos mesmos valores.
No total, até ontem, o CNPJ do candidato tinha arrecadado R$ 1,7 milhão com a ajuda de 26 mil CPFs — recorde nacional no número de pessoas físicas. Enquanto as demais campanhas são abastecidas por poucas e volumosas doações, com Marçal a lógica é inversa: nenhum valor passou de R$ 100 mil, e R$ 10 mil são suficientes para colocar alguém no top 10 dos que mais contribuíram.
O valor acumulado até agora, no entanto, ainda é bem abaixo do que os principais adversários conseguiram via fundo eleitoral — Ricardo Nunes (MDB), por exemplo, recebeu R$ 27 milhões dos partidos da coligação.
Junto com Seibel, quem encabeça o cardápio de financiadores de Marçal é o empresário goiano Helvio Paulo Ferro Filho, conterrâneo de Marçal. Em 2022, Helvio foi preso por porte ilegal de arma e respondeu ao processo em liberdade.
Abaixo deles, na casa das dezenas de milhares de reais transferidos, há vários colaboradores com quantias parecidas. A lista inclui Kayky Janiszewski, influenciador que, assim como Marçal, oferece mentorias na internet. Nas redes, o jovem diz que ficou milionário aos 16 anos por meio da venda de Private Label Rights (PLRs).
Não são poucos, no rol de doadores, os que trabalham com marketing e consultorias. Vitor Augusto Ferreira Alonso, por exemplo, apresenta-se como líder de projetos no Grupo Acelerador e está entre os que doaram R$ 25 mil para Marçal.
Raduan Melo, por sua vez, contribuiu com R$ 10 mil. Ele é sócio de uma consultoria empresarial e da LVM Editora, além de conselheiro do Instituto Mises Brasil. Raduan define-se como “libertário”.
Lucio Pereira dos Reis e Helvio Paulo não são os únicos de fora de São Paulo entre os maiores doadores. Há também um comerciante do Rio e representantes da família Geo, de Minas. Influente na capital mineira — chegou a reunir este ano, em uma festa junina, os presidentes dos adversários Cruzeiro e Atlético Mineiro —, o empresário do agronegócio e da mineração Argeu Geo transferiu R$ 10 mil para Marçal.
Já Danecleide Claudia da Silva, de 35 anos, é detentora de um imóvel simples em uma favela da Zona Norte paulistana e doou R$ 25 mil. Ela responde a processos na Justiça movidos por instituições financeiras que, somados, cobram mais de R$ 260 mil.
Em mais de uma vez, a Justiça autorizou mandados de busca e apreensão para apreender carros de Danecleide no âmbito dos processos de alienação fiduciária. O resultado mais comum, no entanto, é o oficial de Justiça relatar que os bens não foram localizados no endereço registrado no nome dela.
O GLOBO procurou a doadora por meio de diferentes telefones e bateu à porta do endereço, que hoje é alugado para outra pessoa.
— A gente não sabe, mano. Se tu quiser saber dela, procura em outro lugar com outra pessoa. A gente não sabe, beleza? Valeu, boa noite aí — disse o atual morador.
Em um dos números de telefone registrados no nome de Danecleide em uma base de dados, outra mulher atendeu e, perguntada se era a doadora de Marçal, revoltou-se.
— Essa Danecleide está devendo a Deus e o mundo, e todo mundo me liga cobrando — disse.
Jantar de arrecadação para financiar Pablo Marçal
Na quarta-feira, Marçal promoveu um jantar na casa do advogado Marcelo Tostes, no bairro do Jardim Europa, na tentativa de arrecadar dinheiro para a campanha. O valor mínimo sugerido era R$ 10 mil.
Entre os que compareceram, estavam o ex-lutador de MMA Rodrigo Nogueira, conhecido como “Minotauro”; o ex-jogador de futebol Marcelo Moreno, que atuou pelo Cruzeiro; e empresários como Bruno Musa, sócio de uma empresa de investimentos.