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‘Vou morrer de fome? Não é luxo, eu preciso trabalhar’, diz organizador de festa clandestina preso em SP
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Publicado em 14/03/2021

Aglomerações, pessoas sem máscaras e completa ausência de protocolos sanitários. Foi neste cenário que o organizador de eventos Rafael Correia acabou preso na madrugada do sábado, 6, durante uma festa clandestina na capital paulista. “Parece que a polícia de São Paulo inteira estava lá”, disse o influenciador em entrevista exclusiva à Jovem Pan. A detenção de Correia aconteceu durante um dos mais de 280 eventos já interrompidos por equipes de segurança do governo do Estado de São Paulo desde 26 de fevereiro. Conhecida como “Essence Circus”, a festividade proibida ganhou repercussão nas redes sociais após denúncia do deputado federal Alexandre Frota, que procurou a Polícia Civil para inibir o evento. Com as denúncias da festa, que anunciava uma “megaprodução” e a comemoração do aniversário de Rafael, agentes do Garra Dope e também do GER, grupos de elite da polícia, interromperam o convescote, que acontecia na Zona Leste de São Paulo. Agora, Rafael é acusado criminalmente por “infringir determinação do poder público, destinada a impedir propagação de doença contagiosa”. Segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, o organizador de eventos também pode responder por associação criminosa e associação ao tráfico de drogas, o que ele nega. “Estão falando que sou associado ao tráfico de drogas, que o evento só mata, que estamos espalhando o vírus. Tá bom, mas quem vai pagar a minha conta de água? Ninguém pegou droga da minha mão, se fizerem um exame de sangue não vai constar. Eu não bebo, não sou usuário, não sou vendedor, não tenho associação com o tráfico”, afirmou o produtor de eventos, que assinou um termo circunstanciado e foi liberado, enquanto aguarda as investigações do caso. Ele nega ter participado diretamente da organização da festa, embora reconheça que recebeu R$ 400 para divulgá-la. O encontro causou a concentração de mais de 200 pessoas – estimava-se mais de 1.500.

 

 

Neste momento, considerado um dos piores da pandemia no Brasil, a principal crítica – e preocupação – das autoridades acontece, justamente, pelas aglomerações nos eventos proibidos, que desrespeitam indicações sanitárias do Plano São Paulo, como o distanciamento social e uso obrigatório de máscara de proteção. Profissionais da saúde defendem que a proibição de locais com concentração de pessoas busca reduzir as taxas de transmissão do coronavírus e, com isso, salvar vidas. No entanto, para Rafael Correa, as medidas restritivas se mostram, nesse momento, ineficazes, considerando os ininterruptos avanços da Covid-19. E, segundo ele, a realização dos eventos, que garantem a renda de dezenas de famílias, também é uma forma de “salvar vidas”. “Só está sendo colocado que as vidas são salvas do vírus, mas a gente tem que pagar a conta. A gente paga água, luz, gás, aluguel, IPTU, IPVA, prestação de carro. Tudo a gente paga. A vida depende do trabalho para ser mantida. Eu vou morrer de fome? Quem vai me sustentar?”

 

Rafael Correia, que vive com a mãe na capital paulista, diz que também teve receio de ser infectado pelo coronavírus no início da pandemia. Mas, agora, ele questiona os “números superestimados” de mortes pela Covid-19 e defende o retorno do setor de eventos por necessidade. Ele afirma que defenderia a retomada das atividades mesmo se tivesse perdido um familiar vítima da doença. “Os números não são verdadeiros, porque conheço pessoas próximas a mim que morreram de outras causas e colocaram Covid-19. Eu trabalho sozinho, não tenho a quem recorrer para pagar conta de luz, alimentação, imposto. No começo fiquei com medo. Não é que eu queira trabalhar, eu preciso trabalhar, eu tenho que trabalhar. É necessidade. Não se trata mais de luxo, de ego, de egocentrismo. É preciso. Eu preciso trabalhar.”

 

O que dizem as autoridades?

No geral, o principal argumento de Rafael Correia em defesa da realização de eventos durante a pandemia é o impacto na manutenção da renda dos mais de cem trabalhadores envolvidos em cada uma destas festividades proibidas. No entanto, essa não é a mesma visão da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), que reforça a importância das medidas de isolamento social e do respeito aos protocolos sanitários para conter os avanços da Covid-19 e, futuramente, permitir a retomada integral do setor. Para o presidente da entidade, Ricardo Dias, além de ilegais, as festas clandestinas são um desserviço para o segmento no país. “É um absurdo, é um egoísmo extremo, porque enquanto todo o setor fica parado, sem ninguém poder trabalhar, eles trabalham. Eles acabam gerando uma informação completamente errada do nosso setor, não respeitam nenhum tipo de protocolo, é uma operação completamente clandestina, como o nome já diz”, afirma à Jovem Pan, negando que os eventos proibidos sejam uma forma de ajuda aos trabalhadores do ramo. “Então eles não salvam vidas, eles destroem o resto do setor. A festa clandestina destrói em massa o setor de eventos.”

 

Segundo a Abrafesta, 95% do setor registra queda de faturamento desde o início da pandemia, em março de 2020, o que representa risco a nível nacional para o segmento, que gerava, em média, 8 milhões de postos de trabalho e movimentava R$ 250 bilhões em eventos corporativos e R$ 17 bilhões em eventos sociais anualmente. Mesmo com os números alarmantes, a entidade defende as restrições e lembra que, além das grandes festas clandestinas, as pequenas reuniões em família também são responsáveis pelas aglomerações e devem ser combatidas. “A festa clandestina está no topo da pirâmide do erro, abaixo disso vem a população que não se protege, que acha que festas [ em casa] podem acontecer. É preciso respeitar o momento. Quem faz a festa clandestina não tem respeito com a vida do próximo”, opina Ricardo Dias, que relata a alta procura pelos eventos sociais, mesmo com as restrições. “Várias pessoas ligam para a gente perguntando qual a multa para fazer o evento. ‘Eu quero pagar a multa’, eles dizem. A multa é R$ 10 milhões como já disse o Fernando Capez [diretor do Procon].”

 

Para o deputado Alexandre Frota, responsável pelas denúncias da “Essence Circus” e de outros eventos clandestinos, o principal problema é que as festas acontecem no momento mais crítico da crise sanitária no Brasil, com mais de 272 mil mortos pela Covid-19 e mais de 11,2 milhões de casos da doença, que segue avançando em todas as regiões do país. “Não somos contra as festas, mas, sim, contra o momento em que essas festas estão sendo feitas. Elas acontecem no pior momento da pandemia, com milhares de pessoas mortas pela Covid-19. Essas festas irregulares, criminosas, se tornam verdadeiros antros de disseminação do coronavírus. Por isso, vamos inibir todas, independente do gênero. Pode ser LGBT, funk, sertanejo, pop, pagode, gospel, o que for”, afirma o político, que coloca à disposição da população um número para denúncia das festividades proibidas. “Temos que dar uma resposta para a sociedade e a nossa resposta é coibir as festas”, disse Frota. Em nota enviada à reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que, a partir da próxima semana, novas ações de policiamento e fiscalização serão adotadas em todo o Estado. Segundo o órgão, desde 26 de fevereiro, 280 festas clandestinas foram encerradas, 1.575 pessoas presas, 7,3 toneladas de entorpecentes apreendidos e mais de 38 mil dispersões.

 

Alternativas

Considerando as recomendações das autoridades para adoção de restrições mais rígidas, o colapso no sistema de saúde e o descontrole da pandemia no Brasil, o produtor de eventos Rafael Correia defende que os governantes deveriam impor um “lockdown total”, que parasse, de fato, todas as atividades, não apenas o segmento de eventos. “Que seja total, porque só está parando uma parte. O vírus só é transmitido em uma parte? Agora, se continuar nisso, vai continuar sendo transmitido o vírus. Por que o setor de eventos para e os outros não?”, questionou. Para Rafael, que não conseguiu acesso ao auxílio emergencial no ano passado, outra alternativa seria o governo estabelecer uma ajuda efetiva aos trabalhadores. “Tá bom, não paga água, luz, não paga imposto, mas estão nos deixando desamparados. No total, 99% dos funcionários que trabalham no setor de eventos não têm registro em carteira, todos são autônomos. A gente depende de sair de casa para trabalhar. Se tivesse opção, eu ficaria dentro de casa, com a minha mãe, com a minha família. Ia ficar assistindo à televisão, ia procurar diversas formas de passar o tempo e ter alguma ocupação. Mas eu tenho que sair de casa para trabalhar.”

À Jovem Pan, o deputado Alexandre Frota informou que dois projetos de sua autoria estão sendo elaborados, sendo uma proposta estadual, para “ajudar DJs, promoters e produtores”, e uma matéria federal, para inibir as festividades. A proposta estadual, segundo o parlamentar já alinhada com o governador João Doria (PSDB) e o deputado estadual Cauê Macris (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, busca estabelecer um auxílio emergencial a trabalhadores de casas noturnas do Estado de São Paulo, com valor de R$ 300 pelo período de três meses. Já o Projeto de Lei 653/2021 da Câmara dos Deputados defende a criminalização das festas clandestinas com as relações de consumo e busca responsabilizar todos os profissionais envolvidos, sob pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa de R$ 100 mil a R$ 500 mil. “O produtor, o organizador, o divulgador, a empresa vendedora de ingressos, bem como todas as demais pessoas físicas e/ou jurídicas que colaborem para a realização do evento clandestino, por exemplo, o proprietário ou possuidor do imóvel onde o evento será realizado, o locador de som e da iluminação, empresa de segurança privada, serão responsabilizados.”

Por Caroline Hardt 14/03/2021 10h00

 

 

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