Os Estados Unidos ingressaram nesta terça-feira (2) em seu oitavo dia de protestos em repúdio ao racismo estrutural e a violência policial, motivado pelo assassinato de George Floyd, um homem negro, asfixiado até a morte por um policial branco em Minneapolis, no estado de Minnesota. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se às manifestações em ao menos 140 cidades, das quais mais de 40 determinaram toques de recolher.
Ao menos 23 estados pediram o reforço de contingentes da Guarda Nacional diante da situação — Alasca, Arizona, Califórnia, Colorado, Flórida, Geórgia, Illinois, Indiana, Kentucky, Michigan, Minnesota, Carolina do Norte, Nevada, Ohio, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia, Washington and Wisconsin. Pelo país, ao menos nove pessoas morreram durante os protestos, três delas nas últimas 24 horas.
Em Chicago, segundo a Associated Press, ao menos duas pessoas foram mortas durante a noite, mas não há mais detalhes sobre os incidentes. Em Omaha, no Nebraska, um manifestante negro foi morto a tiros na segunda pelo dono de um bar que, de acordo com a Promotoria, agiu em legítima defesa. Em St. Louis, no Missouri, quatro policiais foram baleados durante um tiroteio em meio aos protestos. Outro policial foi baleado durante os atos em Las Vegas, mas as circunstâncias também não foram divulgadas.
Em Nova York, foi decretado toque de recolher das 23h até às 5h, o primeiro em 70 anos, mas as manifestações continuaram. Atos de vandalismo e saques foram registrados em diversos pontos da cidade, inclusive na famosa loja de departamento Macy’s, em Manhattan, e em diversas lojas de luxo na Quinta Avenida, incluindo duas joalherias da Rolex. Em resposta, o prefeito Bill de Blasio anunciou que a partir desta terça, o toque de recolher começará a partir das 20h. Já em Buffalo, no interior do estado, um carro disparou contra a tropa de choque, deixando dois policiais feridos. O motorista e os passageiros foram presos.
Irmão de Floyd discursa
Em Filadélfia, cidade que deverá ser visitada pelo candidato democrata à Presidência, Joe Biden, nesta terça-feira, a polícia estadual usou gás lacrimogêneo para dispersar centenas de manifestantes. Em Dallas, no Texas, manifestantes foram presos após bloquearem uma rodovia, mas as manifestações pacíficas em frente ao Judiciário local foram permitidas após o toque de recolher. Em Louisville, no Kentucky, houve protestos contra a morte de David McAtte, um dono de restaurante, durante os atos de segunda-feira. O chefe de polícia da cidade foi demitido após vir à tona que as câmeras corporais utilizadas pela polícia haviam sido desligadas.
Em Los Angeles, a polícia prendeu manifestantes que continuavam nas ruas após o toque de recolher, às 20h. Segundo a agência Reuters, um shopping a céu aberto foi incendiado por manifestantes. Ao longo do dia, protestos sem maiores incidentes ocorreram em Hollywood. Em Minneapolis, o irmão de George Floyd, Terrence, foi o primeiro parente a visitar a casa em que o homem vivia e endossou os protestos:
— Se eu não estou aqui furioso, se eu não estou aqui explodindo coisas, se eu não estou aqui bagunçando minha comunidade, então o que vocês estão fazendo? O que vocês estão fazendo? — disse durante um discurso.
Laudos de duas autópsias divulgados na segunda-feira — tanto o oficial, pedido pelo condado de Hennepin, quanto outro, independente, pedido pela família — concluíram que a causa da morte de Floyd foi a pressão sobre o seu pescoço exercida pelo policial Derek Chauvin enquanto outros três policiais assistiam.
Chauvin foi preso na sexta-feira e acusado de assassinato em terceiro grau, o que ocorre, de acordo com as leis do estado de Minnesota, quando um indivíduo não tem a intenção de matar, mas age com grande indiferença à vida humana, o que pode culminar na morte do outro. O crime é passível de até 25 anos de prisão. Em 99% dos assassinatos com envolvimento da polícia entre 2013 e 2019, no entanto, os agentes responsáveis não foram criminalmente acusados, segundo o projeto “Mapeando a Violência Policial”.
Trump ameaça usar Exército
Em Washington, ainda durante a tarde, a polícia já usava balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar um protesto pacífico nos arredores da Casa Branca. O objetivo era abrir caminho para que Trump fizesse uma rara visita a pé à Igreja de São João, que teve seu subsolo incendiado na madrugada de segunda, sem sofrer danos graves. Lá, tirou fotos com a sua filha Ivanka e com o procurador-geral William Barr, enquanto segurava uma Bíblia.
Segundo fontes ouvidas pela imprensa americana, a visita ao centro episcopal, frequentado por todos os presidentes americanos desde James Madison (1809-1817), foi um incômodo com a cobertura midiática. No domingo, o jornal New York Times publicou que, dois dias antes, o presidente havia sido levado para um bunker no subsolo da Casa Branca, mas nunca esteve sob risco real.
Em seu primeiro pronunciamento ao público desde que os protestos começaram, Trump se autointitulou o “presidente da lei e da ordem” e anunciou que usará o Exército para conter as manifestações na capital do país. Trump ameaçou enviar militares aos estados caso os governadores não consigam controlar o que chamou de “criminosos”, “anarquistas” e “terroristas internos”.
Não está clara a autoridade legal que Trump tem para levar adiante sua ameaça. A Lei da Insurreição de 1807 permite que um presidente envie forças militares em solo doméstico para fazer cumprir a lei, ante tumultos e rebeliões. Especialistas disseram que a lei foi criada com o objetivo de ser usada em circunstâncias como um desastre natural, mas que, mesmo com as circunstâncias atuais sendo diferentes, os presidentes podem enviar tropas unilateralmente para impor a ordem.