
Às vésperas do julgamento mais aguardado do ano no Supremo Tribunal Federal, as defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros réus na ação penal sobre a suposta tentativa de golpe de Estado intensificaram a estratégia de colocar em xeque a condução do processo, a competência do STF e a validade das provas apresentadas — com um personagem incomum no centro dos argumentos: o ministro Luiz Fux.
Declarações e votos recentes do magistrado da 1ª Turma vêm sendo usados pelas defesas para sustentar três linhas centrais de questionamento: (1) a competência da Corte para julgar réus que não têm foro privilegiado; (2) a validade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; e (3) o comportamento do relator, Alexandre de Moraes, que, segundo os advogados, teria extrapolado sua função ao assumir postura de acusador nos interrogatórios.
A principal alegação é que o STF não seria o foro competente para julgar Bolsonaro e os demais acusados, já que nenhum deles ocupa cargo público atualmente. A defesa cita voto recente de Fux em que o ministro critica a manutenção do julgamento na 1ª Turma, afirmando que, se o processo não for remetido a instâncias inferiores, ao menos deveria ocorrer no plenário da Corte.
“Estamos julgando pessoas que não exercem mais função pública e não têm foro de prerrogativa no Supremo”, disse Fux em março. “Ou estamos julgando pessoas que têm essa prerrogativa e o local correto seria o plenário.”
Ministros André Mendonça e Nunes Marques, da 2ª Turma, já haviam manifestado entendimento semelhante, indicando que não há consenso interno na Corte sobre a jurisdição do Supremo nos casos relacionados ao 8 de janeiro e à suposta trama golpista.
A estratégia das defesas, portanto, é evidenciar que o caso deveria ser remetido à Justiça Federal comum, mais especificamente à Seção Judiciária do Distrito Federal — tese que, se acolhida, poderia atrasar ou até anular parte da ação.
Outro foco das manifestações é a validade do acordo de delação premiada firmado por Mauro Cid, considerado peça-chave no inquérito. A defesa de Bolsonaro alega que Cid teria feito os depoimentos sob forte pressão psicológica, temendo não apenas sua própria prisão, mas represálias contra familiares.
Para sustentar a tese, os advogados recorreram a voto de Fux de 2022, no qual o ministro destacou que a voluntariedade da colaboração não se restringe à liberdade física:
“A irregularidade que macule a voluntariedade do colaborador poderá gerar a ilicitude das provas produzidas, contaminando os elementos de corroboração fornecidos na sequência.”
A alegação das defesas é que as condições em que a delação foi firmada comprometem sua legalidade e a confiabilidade das provas — que incluem transcrições de reuniões, áudios e trocas de mensagens sobre um suposto plano de golpe militar, com o envolvimento de oficiais da reserva, ex-ministros e o próprio ex-presidente.
O comportamento do relator Alexandre de Moraes também foi alvo direto das manifestações. Advogados do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, afirmam que o ministro agiu como parte acusadora, proferindo mais de 300 perguntas aos réus durante os interrogatórios, contra apenas 61 feitas pelo Ministério Público.
A defesa menciona precedente relatado por Fux, segundo o qual o juiz deve manter distância da função acusatória:
“A vedação à substituição da atuação do órgão de acusação significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo.”
As manifestações reforçam a narrativa de que Moraes ultrapassou os limites da imparcialidade, algo que pode gerar questionamentos futuros — inclusive no cenário internacional, onde Moraes já enfrenta críticas e sanções.
O presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin, agendou o início do julgamento para o dia 2 de setembro, com sessões também previstas para os dias 3, 9, 10 e 12 — esta última com turno estendido à tarde. Estão no banco dos réus, além de Bolsonaro, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Braga Netto e outros 13 acusados.
