
A Medida Provisória 1.303, incluída no novo pacote fiscal do governo Lula, lançou um sinal de alerta no agronegócio. A proposta, articulada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, altera a tributação de instrumentos financeiros historicamente ligados ao financiamento rural e ameaça travar uma engrenagem essencial para o setor. Com isso, cresce a tensão entre o Planalto e uma das principais forças econômicas do país.
O texto propõe a criação de uma alíquota única de 17,5% de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras, atingindo ativos como Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais), LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), hoje isentos ou com tributação favorecida. A mudança valeria a partir de 2026, afetando investidores e produtores.
“É um golpe no coração do financiamento do agro”, afirmou Marcelo Winter, consultor jurídico da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio). Segundo ele, retirar os incentivos fiscais significa encarecer o crédito e diminuir a atratividade do setor para investidores.
Apesar do cenário adverso, o agronegócio segue com desempenho positivo: o PIB “dentro da porteira” cresceu 12,2% no 1º trimestre de 2025 e as exportações avançaram 1,8% nos primeiros quatro meses do ano, segundo o Cepea/Esalq-USP. Mas o setor enfrenta dificuldade crescente para acessar crédito. Com a Selic ainda em patamar elevado, a taxa média mensal de juros em operações de crédito rural alcançou 1,15% em abril — a mais alta desde 2011.
Fim das isenções
A MP extingue a isenção de IR em aplicações feitas em LCAs e CRAs, que passarão a ser tributadas em 5%. Nos Fiagros, o impacto é ainda maior: rendimentos, hoje isentos para pessoas físicas em certos fundos, passam a ser taxados em até 17,5%. Fundos de crédito (Fiagro-FIDC), que vêm crescendo fortemente, terão os rendimentos tributados em 17,5% no resgate ou distribuição.
Para Rafael Bellas, da InvestSmart XP, o impacto será direto. “Menos dinheiro disponível, a um custo mais alto. Isso desestimula a produção, inibe investimentos e aumenta o risco.”
Risco de inflação e retração
A medida preocupa não apenas o agro, mas também o mercado financeiro. A uniformização da alíquota desincentiva o investimento de longo prazo, retira previsibilidade e provoca reprecificação de ativos. “É uma lógica míope: paga-se o imposto agora, e o futuro que se resolva depois”, diz Fábio Murad, educador financeiro.
Com menos crédito, os custos sobem e a produção pode cair, elevando o risco de inflação. “Isso pode gerar um problema estrutural para o país”, alerta Winter.
Insegurança jurídica e fuga de capital
Além do impacto financeiro, analistas apontam insegurança jurídica. Moacir Teixeira, da Ecoagro, critica o caráter “precipitado e desarticulado” da proposta. “Nenhum investidor sério lida bem com mudanças abruptas em regras fiscais”, afirma. A tendência, segundo ele, é a migração para ativos internacionais mais estáveis e previsíveis.
Congresso pode reverter
A Abag já articula com parlamentares para alterar o texto. “Se o Congresso não corrigir a MP, os danos ao agro serão duradouros”, diz Winter. Para o setor, o governo erra ao buscar equilíbrio fiscal às custas de um dos poucos motores consistentes da economia.
No fim, a MP 1.303 pode ter efeito contrário ao desejado: ao tentar arrecadar mais, o governo corre o risco de desorganizar um setor responsável por boa parte do crescimento do PIB e da geração de superávit comercial. E isso, alertam os analistas, pode custar caro.
