Chega-se ao bairro de Al-Bashoura caminhando desde Hamra pela via General Fouad Chehab. Nesta área central de Beirute houve dois bombardeios recentes, um deles contra o escritório de um centro médico gerido pela Autoridade Islâmica de Saúde, ligada à milícia extremista Hezbollah. Cerca de dez pessoas morreram, entre eles agentes de resgate e paramédicos.
A gravidade deste ataque reside particularmente na denúncia de uso de fósforo branco, substância altamente tóxica e inflamável em contato com o oxigênio, que pode causar queimaduras graves. “Eles nos bombardearam com fósforo”, diz Ahmad sentado em frente à porta de sua casa, localizada na estreita rua Assad Khouchid, paralela à Fouad Chehab. “O cheiro é de ácido e fecha a garganta e o nariz. Sentíamos que estávamos sufocados”.
Em campanhas militares, o emprego de fósforo branco é permitido para gerar cortina de fumaça e ocultar o movimento de tropas em áreas abertas ou provocar dispersão ou distração. Seu uso, porém, é proibido pelo direito internacional humanitário em áreas densamente povoadas ou contra civis.
Ahmad e sua família vivem atrás do Cemitério Islâmico de Al-Bashoura, mais antigo de Beirute e que também foi alvo de um dos ataques.
“Estávamos tomando café na varanda, quando vi uma luz indescritível passar por cima da minha cabeça. Pensei que fosse cair sobre nós, mas atingiu o prédio em frente. A explosão me jogou no chão”, afirma Ibrahim, outro morador do local. “Todos estamos muito chocados porque há muitos anos vivemos tranquilos. Mas agora nos bombardeiam com substâncias químicas em plena cidade. Já tinham feito isso na guerra anterior, querem nos exterminar.”
O ataque comoveu toda a cidade, porque a sensação é de que já não há lugar seguro para se proteger. A população, os médicos e outros agentes de saúde já estão familiarizados com o fósforo branco por causa da chamada “Guerra dos 34 dias”, em 2006, no embate entre o Exército de Israel e o Hezbollah.
“O uso por parte de Israel de munições de fósforo branco em áreas povoadas prejudica indiscriminadamente os civis e obrigou muitos a abandonar suas casas”, diz Ramzi Kaiss, pesquisador da Human Rights Watch, baseado em Beirute. As forças israelenses não se manifestaram sobre este ataque em Al-Bashoura.
Após a experiência devastadora de 2006, identificam-se facilmente os restos de projéteis de artilharia de 155 milímetros que se encontram espalhados pelo chão e que expelem o “Willy Pete”, gíria militar cujas iniciais “WP” remetem a “white phosphorus”.
“Os efeitos mais graves do fósforo branco são dérmicos: queimaduras de segundo e terceiro grau, que podem levar a necroses”, afirma Tharwat Zahran, médico toxicologista e professor-adjunto de medicina de urgência na Universidade Americana de Beirute.
“A exposição à fumaça de fósforo branco também pode provocar danos agudos nas vias respiratórias superiores, como dificuldade para respirar e tosse. Mas também pode haver efeitos retardados, incluindo pneumonite química, que pode requerer hospitalização e assistência respiratória por máquina”, declara Zahran.
Sem distinguir civis entre as vítimas, o Ministério da Saúde do Líbano registrou 178 pessoas afetadas por “exposição química devido ao fósforo branco” desde o início do mês, em meio à intensificação dos ataques de Israel no Líbano.
Se comprovado o uso do fósforo, o governo libanês deve utilizá-lo como evidência contra Tel Aviv por violação do direito internacional e dos direitos humanos.