Após Pablo Marçal (PRTB), candidato à prefeitura de São Paulo, divulgar, nesta sexta-feira, um suposto receituário médico que detalharia um encaminhamento do adversário Guilherme Boulos (PSOL) para uma emergência psiquiátrica, o psolista afirmou que pediria a prisão do ex-coach. Boulos afirmou que o documento é falso, que o proprietário da clínica em questão é amigo de Marçal e que, na data da suposta internação, estava distribuindo cestas básicas em uma favela da capital paulista — o candidato postou uma imagem da ação social. Juristas ouvidos pelo GLOBO divergiram sobre a possibilidade de uma eventual prisão de Marçal após a denunciada por Boulos.
A Justiça Eleitoral proíbe a prisão de candidatos no período que antecede o pleito, exceto em casos de flagrante delito. A norma, no caso das eleições de 2024, vale desde o dia 21 de setembro.
“Nenhuma candidata ou candidato poderá ser detido ou preso a partir deste sábado (21 de setembro), 15 dias antes do 1º turno, salvo em flagrante delito. A medida visa assegurar o equilíbrio da disputa eleitoral ao prevenir que prisões sejam utilizadas para prejudicar um candidato por meio de constrangimento político ou afastá-lo de sua campanha. A garantia está prevista no Código Eleitoral (art. 236, parágrafo 1º) e vigora até 8 de outubro, 48 horas após a eleição”, diz texto do TRE-SP.
Marçal pode ser preso por laudo contra Boulos se juiz entender publicação com o flagrante
Uma eventual decretação de prisão, portanto, dependeria da interpretação de um juiz de que o caso se encaixa na exceção prevista em lei. Seria esse o caso, por exemplo, se a Justiça entendesse que a postagem de Marçal, caso falsa, configuraria um flagrante delito.
O advogado criminalista Rafael Paiva entende que não há possibilidade de o caso ser classificado como flagrante — o que impediria uma eventual prisão de Marçal durante o período eleitoral.
— Mesmo que Marçal tenha falsificado esse documento, não é caso de flagrante, pois faltam elementos para provar que ele falsificou agora. Se é que é mesmo uma falsificação. E mesmo que não houvesse a lei eleitoral impedindo essa prisão preventiva, não vejo como presentes os requisitos para tanto. Acredito que é um caso que depende de apuração, por meio de um inquérito policial — avalia Paiva.
Já o advogado constitucionalista Gustavo Sampaio tem opinião diferente:
— Se for provado que o laudo postado por Marçal foi falsificado e publicado com a intenção de prejudicar a campanha de Boulos, podemos considerar uma hipótese de flagrante por crime eleitoral. Com isso, no meu entendimento, poderia haver a expedição de uma ordem de prisão contra Marçal — avalia.
Em relação a eventual segundo turno, no dia 27 de outubro, a legislação estabelece que o candidato que estiver concorrendo ao pleito não poderá ser preso a partir de 12 de outubro até o dia 29 do mesmo mês.
Documento divulgado por Marçal tem indícios de falsificação
Marçal postou nas redes sociais na noite desta sexta um suposto receituário médico que detalharia um encaminhamento de Boulos (PSOL) a uma emergência psiquiátrica, em 2021. O mesmo documento indicaria que o deputado federal teria testado positivo para cocaína no episódio. Pouco depois, o Instagram removeu a postagem.
A negativa do psolista veio em uma transmissão pelo Instagram iniciada pouco depois da postagem do ex-coach. Boulos indicou que o número de documento dele exposto na imagem está errado. O candidato também afirmou que o dono da clínica seria apoiador de Marçal.
— O dono da clínica do documento que ele publica tem vídeo com Pablo Marçal, é apoiador dele. Ele falsificou um documento com um CRM de um médico que faleceu há dois anos para que ninguém fosse responsabilizado — disse o candidato em live.
Boulos também afirmou que na suposta data da internação ele estaria na favela do Vietnam, em São Paulo, distribuindo cestas básicas. O psolista publicou uma imagem do momento das doações, com a data correspondente à da suposta internação.
O laudo diria que Boulos estaria sendo encaminhado para uma emergência com quadro de “surto psicótico grave, delírio persecutório e ideias homicidas”.
O receituário seria assinado pelo médico José Roberto de Souza, cujo CRM é 17064-SP. O profissional já é falecido, segundo os registros de órgãos médicos. A clínica seria a Mais Consultas, de São Paulo — mas, na imagem postada por Marçal, o logotipo mostra “Mais Consulta”, no singular.
Desde o início da campanha, Marçal tem feito insinuações e acusações de que Boulos seria usuário de cocaína, sem nunca ter apresentado provas. Durante a campanha, as insinuações do ex-coach foram atribuídas a uma confusão: Boulos é homônimo de outro político que tornou-se réu por porte de drogas em 2001.
O GLOBO procurou o médico neurologista Raphael Ribeiro Spera, assistente do setor do pronto-socorro da divisão de clínica neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) do HC-FMUSP, para comentar o suposto laudo. O especialista afirmou que é difícil atestar a veracidade do documento, mas existem incongruências como a falta de um carimbo médico ou a descrição do quadro do candidato:
— Primeiro que não tem o carimbo do médico. Se é um documento assinado digitalmente, não tem assinatura digital nem o QR code, então isso torna bastante implausível esse documento de ser verídico — afirmou. — Outra questão é que você não coloca esses dados que ele (o médico) colocou explicitamente em um relatório em geral, a não ser que seja uma transferência interhospitalar — disse Spera.
O GLOBO procurou a campanha de Marçal sobre as inconsistências do documento, mas ainda não teve resposta. O espaço segue aberto.
A campanha de Boulos também divulgou uma nota oficial sobre o episódio:
“O documento publicado por Pablo Marçal é falso e criminoso e ele responderá e arcará com as consequências em todas as instâncias da Justiça — eleitoral, cível e criminal. Uma atitude inaceitável de quem prova não ter limites em sua capacidade de mentir. Marçal mostra mais uma vez ser um criminoso recorrente, que usa de mentiras absurdas para atacar a honra e a reputação e tentar promover uma manipulação sem precedentes no processo eleitoral. Não podemos normalizar esse tipo de método que já colocou em xeque a nossa democracia no passado recente e que, agora, ameaça a normalidade destas eleições. Marçal pagará pelos seus crimes”, diz o texto.