O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, determinou nesta quarta (2) o envio de 2.000 soldados do seu país para a Polônia e para a Alemanha, escalando ainda mais a crise com a Rússia em torno da Ucrânia. Segundo a Casa Branca vazou para órgãos de imprensa americanos, como a rede CNN, outros mil militares do país que estão na Europa serão reposicionados para a Romênia, país ex-comunista no leste do continente.
Numericamente, o deslocamento significa pouco ante os cerca de 130 mil, segundo a mais recente estimativa ocidental, soldados russos que cercam a Ucrânia em uma mobilização que começou em novembro.
Politicamente, contudo, a sinalização ao Kremlin é grave. Biden já havia deixado 8.500 soldados, nos EUA e na Europa, de sobreaviso para esse tipo de reforço, que havia sido cogitado apenas no caso de os russos agirem contra a Ucrânia.
Na véspera, o presidente Vladimir Putin havia acusado os EUA e a Otan, a aliança militar que Washington lidera contra Moscou desde 1949, de empurrar a Rússia para uma guerra que ela não deseja. A crise atual, em termos de comprometimento das grandes potências nucleares, já faz par ou até ultrapassa a de 2014.
O ano é chave para entender o que ocorre hoje. O governo pró-Rússia em Kiev foi derrubado, e Putin reagiu anexando a península de maioria russa étnica da Crimeia, além de fomentar uma guerra civil de separatistas da mesma extração no Donbass (leste da Ucrânia).
O resultado foi um conflito que, embora em cessar-fogo precário desde 2015, já matou 14 mil pessoas. Em abril do ano passado, Putin havia mobilizado forças por semanas em exercícios vistos como ameaçadores, tendo percebido uma movimentação de Kiev de tentar reocupar o Donbass.
Foi um aperitivo para novembro. A escalada de forças, na forma de exercícios militares e deslocamento de tropas e armas, parece visar dar credibilidade à ideia de que Putin pode ir novamente às vias de fato.
Ao mesmo tempo, o russo nega tal intenção, e com bons motivos: uma guerra seria destrutiva em termos humanos e para sua economia, além de arriscar sair de controle e envolver países da Otan —a Ucrânia quer, mas não faz parte do clube de 30 nações.
Com a situação colocada, Putin foi além e desenhou em um ultimato seus termos para alcançar a estabilidade na região. O mais importante, refluir tropas colocadas pela Otan em países ex-comunistas absorvidos na expansão do pós-Guerra Fria a partir de 1999 e vetar de forma perene a entrada da Ucrânia no time.
EUA e Otan, claro, rechaçaram a ideia, mas deixaram abertas portas de negociação sugeridas pelos russos no campo de controle de armas, posicionamento de mísseis de alcance intermediário de lado a lado e monitoramento de exercícios militares.
Putin aceitou a ideia, murmurando algo sobre diálogo possível na entrevista que concedeu na terça. Por outro lado, membros de seu governo são claros acerca da eventual necessidade de uma medida militar, ainda que indireta —como o já citado envolvimento militar com regimes aliados no quintal dos EUA, como Cuba ou Venezuela.
Mas o tom beligerante do líder russo seguiu alto, e Biden dobrou a aposta agora. As forças americanas vão operar sob a bandeira da Otan. A aliança hoje já tem cerca de 5.000 tropas multinacionais em quatro países próximos das fronteiras russas: os Estados Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), que foram parte da União Soviética e margeiam as terras de Putin, e a Polônia, vizinha da Belarus que hoje abriga forças russas em exercícios.
A questão simbólica colocada é: e se um soldado americano for morto numa escaramuça eventual numa fronteira? Se ele vale o mesmo que um estoniano, uma obviedade, politicamente o peso de um episódio desses muda de patamar e é isso que Biden quer enfatizar.
Além disso, há a intenção de acalmar os membros orientais da Otan, já críticos da inapetência da Europa em se envolver na crise, até pelos interesses no gás natural russo. Biden e outros líderes ocidentais já deixaram claro que não enviarão tropas para a Ucrânia, mas a ideia de militarizar o entorno visa reforçar a impressão de que a segurança coletiva do bloco será prioridade.
Enquanto isso, países da aliança tentam ajudar o governo de Volodimir Zelenski em Kiev com o envio de armamentos. Os EUA e o Reino Unido, por exemplo, forneceram mísseis guiados antitanque, algo vital no caso de uma invasão blindada do país. Ao mesmo tempo, seu chanceler defendeu nesta quarta uma saída negociada, lembrando que haverá em breve uma nova reunião com russos, alemães e franceses.
Por fim, Putin viaja na quinta (3) para a China, onde irá ganhar um reforço simbólico tão ou mais importante: o líder Xi Jinping apoia a demanda russa na Ucrânia, assim como recebe suporte russo nos seus interesses no Pacífico, como em Taiwan.
Se não há uma aliança militar formal entre os países, claramente um bloco contra iniciativas ocidentais vem se formando nos últimos anos entre Moscou e Pequim, o que amplia o leque de oportunidades para Putin resistir à pressão econômica de eventuais sanções caso a guerra venha na Ucrânia.